Reunidos na quinta-feira (31) na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), diferentes profissionais de saúde e pessoas com lúpus afirmaram que os pacientes diagnosticados com a doença sofrem com as condições insuficientes no atendimento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A audiência foi um pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
Na abertura da reunião, Damares afirmou que o Parlamento tem tentado aprovar benefícios aos pacientes de lúpus há muitos anos, porém nada ainda foi entregue.
— Temos várias propostas sobre esse tema em tramitação aqui, nas duas Casas, há décadas, mas com pouco avanço. Quero entender o porquê disso nessa conversa com vocês, além de ouvir sobre as principais dificuldades e desafios.
Ela destacou um projeto do qual é relatora, que propõe a inclusão do lúpus e da epilepsia na lista de doenças que estariam dispensadas do prazo de carência para concessão de benefícios concedidos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), como o auxílio-doença e da aposentadoria por incapacidade (PL 2472/2022).
— Na próxima semana devo apresentar meu voto [sobre o projeto], que é favorável ao texto, juntamente com um requerimento para a criação de um grupo de trabalho aqui na comissão para estudar esse tema do lúpus — anunciou.
O projeto é do senador Paulo Paim (PT-RS) e está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Se aprovado lá, seguirá para a CAS.
O senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), que também participou da audiência, é coordenador da Frente Parlamentar Mista para Doenças Raras e Crônicas. Durante a audiência, ele destacou que mais de 5% da população brasileira tem alguma doença desses tipos. Segundo dados recentes da Organização Pan-Americana de Saúde, o número pode chegar a 15 milhões de pessoas.
— Temos no país uma dificuldade enorme na compra de diversos desses medicamentos. A vida de muita gente depende disso. Todas as vidas importam e, por isso, defendo a produção desses remédios aqui no Brasil. Precisamos acabar com a dependência de importação. Isso é algo que encarece o tratamento e vai se refletir em autonomia, com a resolução rápida e eficaz de situações importantes para tanta gente — argumentou.
Pacientes
A jovem Sophia Cavalcante, de 10 anos, se tornou influenciadora nas redes sociais ao falar da doença, que ela descobriu aos cinco anos de idade. Hoje, ela fala sobre suas experiências para os mais de 400 mil seguidores que tem no Instagram. Ela pediu ajuda para as autoridades responsáveis.
— Passei por momentos bem difíceis e quase vim a óbito. Não sei por que é tão difícil conseguir uma consulta com o reumatopediatra. Precisamos de acolhimento, porque não adianta ter a consulta, a médica passa os medicamentos e não temos, muitas vezes são negados. Isso é um absurdo, porque o lúpus é uma doença grave que, sem tratamento, mata — relatou.
Eliana Furtado de Mendonça perdeu a filha Daniela para o lúpus em 2017. No ano seguinte, Eliana fundou o Instituto Dé Mendonça Lúpus Care, instituição sem fins lucrativos da qual é presidente. Ela criticou a ausência do Estado no tratamento dado às pessoas com lúpus.
— Nosso país carece de informação. Há necessidade de campanhas de conscientização para que as pessoas saibam que o lúpus não é contagioso e passem a sofrer menos preconceito. O início do tratamento costuma demorar e, com isso, a doença já avançou bastante. É preciso capacitar os médicos na atenção primária e secundária, além do maior incentivo a pesquisas que tratem desse tema nas instituições de ensino — pontuou.
Daniela foi diagnosticada aos 15 anos e morreu aos 50. O instituto que leva seu nome promove campanhas informativas sobre o lúpus e ajuda pacientes a obterem tratamento.
Precariedade
O médico reumatologista Gustavo de Paiva Costa alertou que é preciso ampliar e melhorar o atendimento primário oferecido aos pacientes. A demora nessa etapa pode atrasar o diagnóstico e trazer sequelas “irreversíveis”. Ainda de acordo com Gustavo, o Brasil sofre os impactos advindos do retardo na incorporação de novos medicamentos e tecnologias ligadas ao tratamento da doença por parte do Estado.
Christina Gonzalez, representante do Conselho Federal de Medicina (CFM), trouxe outros números para exemplificar a precariedade presente no tratamento do lúpus no país. Conforme dados da pesquisa Demografia Médica 2023, do CFM, o Brasil conta com pouco mais de três mil reumatologistas.
— Apesar desse número ser relativamente pequeno, entre 2012 e 2022 houve um crescimento de 92% de reumatologistas no país. O problema maior é que não há incentivo para que os novos profissionais façam residência médica e se especializem — lamentou.
A médica Fernanda Quirino, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, fez um alerta quanto aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), formulados pelo Ministério da Saúde. Os PCDTs são documentos que estabelecem critérios para o diagnóstico da doença, o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, as posologias recomendadas, os mecanismos de controle clínico, e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS.
— Acerca do lúpus, esse protocolo foi formulado em 2013, com atualização em 2022. Por não ser uma doença tão comum, o lúpus é de difícil diagnóstico. Esse retardo impacta na resposta ao tratamento: quanto mais se demora para o diagnóstico, mais tarde se inicia o tratamento, o que aumenta o risco de sequela. Por vezes os exames necessários para identificação da doença não estão disponíveis — disse.
A doença
O lúpus é uma doença inflamatória crônica de origem autoimune. De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), os sintomas podem surgir em diversos órgãos de forma progressiva. Entre os sinais estão manchas na pele, febre, emagrecimento, perda de apetite, fraqueza e desânimo. A doença pode causar inflamações na pele, articulações, rins, nervos, cérebro e membranas que recobrem o pulmão (pleura) e o coração (pericárdio). Ainda de acordo com a SBR, as estimativas indicam que existem cerca de 155 mil pessoas com lúpus no Brasil, a maioria mulheres.
O reumatologista Gustavo de Paiva Costa explicou que o lúpus atinge o seu pico no início da vida adulta do paciente, a partir dos 20 anos. Ele acomete mais as mulheres do que os homens, em uma proporção de 10 casos em mulheres para cada caso registrado entre os homens. O médico ressaltou que o lúpus não chega a ser classificado como uma doença rara, mas sim incomum: em média, a cada 100 mil habitantes, 70 pessoas recebem o diagnóstico. Doenças raras são aquelas com até 65 diagnósticos por 100 mil habitantes.
— O lúpus pode acometer qualquer sistema do corpo humano, comumente ataca mais de um sistema e, frequentemente, está presente em mais de três sistemas do organismo. O acesso adequado ao tratamento, não somente medicamentoso, muda a vida dos pacientes, não apenas em termos de mortalidade, mas também de morbidade. Em muitos pacientes a doença é branda e, se bem tratada, a expectativa de vida é praticamente igual a de quem não tem lúpus, com vida produtiva e reprodutiva — asseverou.
Fonte: Agência Senado