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  • ter. dez 17th, 2024

PL 4614/2024: Um Retrocesso Social e Jurídico no Benefício de Prestação Continuada

PL 4614/2024: Um Retrocesso Social e Jurídico no Benefício de Prestação Continuada OPINIÃO - * Por Leomar Antonio das Neves

OPINIÃO

  • Por Leomar Antonio das Neves

O Projeto de Lei 4614/2024, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, propõe ajustes fiscais que afetam diretamente o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Este benefício, essencial para a subsistência de milhares de brasileiros em situação de vulnerabilidade, está ameaçado por mudanças que podem excluir beneficiários legítimos e comprometer direitos adquiridos há anos.

Introdução

O presente artigo pretende enfocar no retrocesso social e jurídico que o Projeto de Lei 4614/2024 representa. O Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) é uma peça essencial no sistema de seguridade social brasileiro, atendendo milhões de pessoas idosas e com deficiência que vivem em situação de extrema pobreza. Previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o benefício assegura um salário-mínimo mensal, desempenhando um papel crucial na redução da pobreza e da desigualdade social.

Neste contexto, o artigo busca, de forma clara e concisa, traçar linhas gerais acerca do controle de convencionalidade das leis brasileiras, bem como avaliar, sob o prisma da constitucionalidade e da convencionalidade, a incompatibilidade do PL 4614/2024 com a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e com o conceito constitucional da pessoa com deficiência.

Pontos Críticos do Projeto de Lei 4614/2024

Restrições ao Conceito de Deficiência e Violação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O Projeto de Lei 4614/2024 exige que o beneficiário comprove incapacidade absoluta para a vida independente e para o trabalho, desconsiderando o modelo social de deficiência adotado pela Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Esta exigência é claramente inconstitucional e inconvencional, pois as normas brasileiras devem estar de acordo com a Constituição e com tratados internacionais.

A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada ao final de 2006 e ratificada pelo Brasil, em conjunto com seu respectivo Protocolo Facultativo, em 09 de julho de 2008, por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, estabelece um conceito de deficiência que visa assegurar a dignidade e inclusão social das pessoas com deficiência. O projeto de lei do ajuste fiscal desconsidera este conceito, violando o primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado nos termos do art. 5º, §3º, da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45.

Ao impor um conceito de deficiência que difere do conceito constitucional e do previsto no direito internacional, o PL 4614/2024 se torna inconstitucional e inconvencional. A jurisprudência do STF, em casos como a ADI 7028, já deixou claro que leis não podem restringir o conceito de pessoa com deficiência adotado pela Constituição e pela Convenção Internacional. A lei estadual em questão restringia o conceito de deficiência para limitar direitos, e essa mesma leitura é aplicável ao PL do ajuste fiscal.

Além disso, o projeto pode estar violando o princípio da dignidade humana, que é expressamente protegido pela Constituição Federal.

Vedação do Retrocesso Social

O PL 4614/2024 também viola o princípio da vedação do retrocesso social, ou “efeito cliquet”. No plano normativo, a vedação do retrocesso protege os Direitos Fundamentais, impedindo a revogação das normas que os consagram ou a substituição dessas normas por outras que não ofereçam garantias com eficácia equivalente. Ao propor alterações que restringem o acesso ao Benefício de Prestação Continuada, o projeto de lei não apenas ameaça direitos adquiridos, mas também compromete avanços sociais significativos alcançados ao longo dos anos.

Impacto Econômico do Corte do BPC

O corte do BPC pode ter um impacto econômico significativo. Atualmente, o pagamento do BPC injeta aproximadamente R$ 1,5 bilhão por mês na economia. Esse valor é essencial não apenas para garantir a subsistência dos beneficiários, mas também para estimular o consumo em diversos setores da economia local. Ao limitar os requisitos para concessão e manutenção do benefício, milhares de brasileiros que recebem o BPC há anos podem ser excluídos, desestimulando o consumo e reduzindo a circulação de recursos na economia.

Essa diminuição no poder de compra dos beneficiários tende a afetar negativamente o comércio local, os serviços e até a produção, criando um efeito cascata que pode levar à redução de empregos e ao aumento da pobreza. Portanto, além das graves implicações sociais, o PL 4614/2024 pode gerar um retrocesso econômico considerável, comprometendo a recuperação e o desenvolvimento socioeconômico do país.

Questão da Renda Per Capita

O PL 4614/2024 também propõe restrições à renda per capita, chegando a contabilizar como renda per capita de parentes não coabitantes. Esta abordagem destoa da jurisprudência dos tribunais federais, como o TRF4 e até do STJ, que em algumas situações flexibilizam a questão da renda, incluindo casos de renda per capita acima de 1/4 do salário mínimo. Essa flexibilização é crucial para garantir que o BPC alcance aqueles que realmente necessitam, considerando as diversas realidades socioeconômicas das famílias brasileiras.

O impacto dessas alterações será devastador para milhares de brasileiros que dependem do BPC para garantir uma vida minimamente digna. A exclusão de beneficiários legítimos tende a aumentar a pobreza e a desigualdade social, sobrecarregando ainda mais os sistemas de saúde e assistência social. É imperativo que o debate público priorize soluções que respeitem os direitos fundamentais e garantam a proteção dos mais vulneráveis.

  • Leomar Antonio das Neves é bacharel em direito pela Faculdade Mater Dei e inscrito na OAB|PR 82465

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