Dados demonstram que somente o Congresso Nacional possui 278 projetos de lei (PLs) sobre autismo em tramitação, sendo 22 no Senado e 256 na Câmara
No mês em que celebramos a visibilidade das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), é essencial refletir sobre os caminhos que o Brasil tem trilhado para garantir os direitos dessa população.
A judicialização na área da saúde tem se tornado um instrumento frequentemente acionado por famílias que buscam acesso a terapias, medicamentos e atendimentos especializados — muitas vezes negados pelo sistema público. Embora não seja desejável que o Judiciário substitua o papel do Executivo, a atuação judicial tem sido, em muitos casos, o único meio eficaz de assegurar o direito à saúde.
Para José Luiz Souza de Moraes, presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP), frisa que não se deve defender a judicialização como regra, uma vez que o administrador público é quem detém legitimidade democrática para definir políticas públicas, com base em dados, orçamentos e prioridades coletivas.
“O Judiciário, por sua vez, tem como missão corrigir distorções, especialmente quando políticas públicas deixam de garantir direitos fundamentais. O problema é que, ao decidir sobre demandas específicas, o juiz tem uma “visão de túnel”, ou seja, enxerga apenas o caso concreto, sem considerar o impacto sistêmico de sua decisão. O gestor público, ao contrário, precisa analisar o todo: múltiplos programas, recursos limitados, necessidades diversas”, explica.
No contexto do TEA, essa tensão é evidente. O acesso a tratamentos como ABA (Análise do Comportamento Aplicada), fonoaudiologia, psicopedagogia e transporte escolar adaptado, por exemplo, muitas vezes é conquistado via judicialização. “Isso revela o quão deficiente ainda é a oferta pública de um cuidado transversal e estruturado. O autismo não diz respeito apenas à saúde, mas à educação, assistência social, mobilidade urbana e inclusão produtiva. Exige, portanto, políticas públicas construídas com olhar global e intersetorial”, afirma Moraes.
De acordo com dados da Frente da Saúde Mental (FPSM), somente o Congresso Nacional possui 278 projetos de lei (PLs) sobre autismo em tramitação, sendo 22 no Senado e 256 na Câmara. Conforme o relatório técnico produzido pelo Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, nas proposições legislativas na Câmara dos Deputados, houve um aumento de 63% de PLs voltados a pessoas com TEA nos anos de 2021 a 2022 em comparação aos anos de 2023 a 2024.
O estado de São Paulo tem dado alguns passos importantes, como a criação do Plano Estadual Integrado para Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (PEIPTEA), que articula ações entre as secretarias da Saúde, Educação, Direitos da Pessoa com Deficiência e Desenvolvimento Social. “O uso do cordão de girassol como símbolo de deficiências ocultas, a criação de centros de referência e a expansão de serviços terapêuticos são avanços relevantes. Mas ainda insuficientes”, defende.
Além disso, em nível estadual, são duas legislações em vigor: a Lei nº 17.158/2019, que institui a Política Estadual de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista – TEA; e a Lei nº 17.744/2023, que autoriza a criação de Centros de Referência e Atendimento Especializado às Pessoas com TEA.
O presidente da APESP entende que o olhar para pessoas com TEA demanda políticas contínuas, financiadas e avaliadas de forma permanente. “A judicialização, quando necessária, deve ser um alerta, não uma rotina. Que neste mês de visibilidade, avancemos na construção de um Estado que compreenda o autismo como pauta prioritária, e que saiba garantir dignidade sem precisar ser provocado judicialmente a todo momento”, conclui.