OPINIÃO
- * Por Flávia Marçal
Ao redor do mundo, milhões de pessoas vivem com condições de neurodesenvolvimento diferenciadas– um grupo diverso de quadros com início precoce que impactam a vida pessoal, social, acadêmica e profissional. Do transtorno do espectro autista à deficiência intelectual, essas condições apresentam trajetórias de desenvolvimento únicas. No Brasil ambos os temas ganham as manchetes todos os dias.
No entanto, quantificar o número exato de indivíduos com essas condições permanece um desafio significativo, particularmente no Brasil. O Ministério da Saúde aponta para uma confluência de fatores: as complexidades inerentes ao diagnóstico, inconsistências nos critérios diagnósticos (ressaltadas por mudanças como a transição do CID-10 para o CID-11) e uma carência crítica de dados abrangentes que abarquem a extensão geográfica do país, o ciclo de vida dos indivíduos e informações intersetoriais.
Essa lacuna de dados é especialmente preocupante quando se consideram os primeiros anos de vida. No Brasil, embora a média nacional de cobertura da atenção primária à saúde para crianças de 0 a 6 anos seja de 79%, disparidades regionais pintam um quadro mais sombrio. Estados como o Pará lutam com uma cobertura de apenas 66%, e em municípios como Rio Branco, no Acre, esse índice despenca para meros 33%. O acompanhamento efetivo do desenvolvimento e equipes multidisciplinares especializadas – envolvendo fonoaudiólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais –, cruciais para diagnósticos precisos, frequentemente estão ausentes nas estruturas de atenção primária.
Apesar desses obstáculos estatísticos, dados disponíveis oferecem um vislumbre da escala da questão. O Censo Escolar de 2024 do Ministério da Educação do Brasil revela mais de 918 mil estudantes identificados com autismo matriculados nas escolas. Além disso, estudantes com deficiência intelectual ultrapassam 953 mil, representando mais de 40% da população da educação especial.
Esses números, contudo, representam mais do que meras estatísticas; são vidas que merecem dignidade e oportunidade. Uma maior conscientização social – entre profissionais, famílias e o público em geral – sobre os direitos fundamentais desses indivíduos em áreas como saúde, educação, serviços sociais, cultura, esportes, lazer e segurança alimentar é primordial. Esses direitos não são privilégios; são inerentes, inalienáveis, indivisíveis, universais e duradouros.
Compreender e defender esses direitos não é meramente uma questão de compaixão; é um passo crucial para desbloquear o potencial inexplorado dentro desse segmento significativo da população. Garantir o acesso a diagnóstico precoce, educação inclusiva e sistemas de apoio adequados pode melhorar drasticamente sua qualidade de vida e permitir sua plena participação na sociedade e na economia. Para nações que buscam coesão social e crescimento equitativo, reconhecer e defender os direitos de indivíduos com condições de neurodesenvolvimento não é apenas um imperativo moral, mas um imperativo estratégico.
- * Flávia Marçal é Superintendente da 1º Infância de Belém. Conselheira OAB. Professora UFRa.
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