Especialista comenta riscos da desinformação de Trump que liga Tylenol ao autismo

Declaração de Trump liga Tylenol ao autismo; especialista comenta riscos da desinformação

O presidente dos EUA declarou que mulheres grávidas não deveriam tomar Tylenol (paracetamol) por suposto risco de autismo, uma afirmação não respaldada por consenso científico. A Dra. Anna Bohn, pediatra pela SBP, explica os dados mais robustos e alerta para os perigos de conclusões precipitadas

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, causou polêmica nesta semana ao afirmar que seu governo estaria relacionando o uso de Tylenol (paracetamol) na gestação ao aumento dos casos de autismo, recomendando que grávidas evitem o medicamento. A declaração, feita em evento na Casa Branca ao lado do secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr., repercutiu internacionalmente e foi alvo de críticas da comunidade científica, que alerta para o risco de se propagar conclusões sem respaldo robusto.

De acordo com a pediatra Dra. Anna Bohn, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), não há evidências que sustentem essa relação direta. “O maior estudo já realizado sobre o tema, envolvendo 2,5 milhões de crianças na Suécia, não encontrou aumento no risco de autismo em filhos de mulheres que usaram paracetamol durante a gravidez. Quando compararam irmãos, inclusive em famílias com histórico de autismo, a diferença foi zero”, explica.

Estudos menores que sugeriram associação apresentam, segundo a médica, limitações metodológicas importantes. “Muitas dessas pesquisas foram feitas com base em recordações maternas de uso de paracetamol anos depois da gestação, em famílias que já tinham crianças diagnosticadas com autismo. Esse tipo de dado é impreciso e sujeito a vieses. Além disso, não foi identificada relação com dose, ou seja, mesmo quem usou mais não apresentou risco maior”, completa.

A especialista lembra que o paracetamol é amplamente utilizado desde a década de 1950, enquanto as primeiras descrições do transtorno do espectro autista datam de 1911. Países como Japão e Noruega também conduziram análises populacionais e chegaram às mesmas conclusões que o estudo sueco. Revisões sistemáticas recentes reforçam que a exposição intrauterina ao medicamento é improvável de representar aumento relevante no risco de autismo. “Atribuir essa condição complexa a um único fator, além de não condizer com o conhecimento científico atual, reforça estigmas e culpa injustamente as mães”, destaca a pediatra.

Outro ponto levantado é que não tratar febre na gestação pode, sim, trazer riscos reais ao feto. “A febre materna está associada a malformações e complicações. Portanto, simplesmente desaconselhar o uso de um medicamento seguro, sem oferecer alternativa adequada, pode ser perigoso. É preciso avaliar cada caso com critério médico”, afirma Anna Bohn.

Revistas científicas de peso, como a Nature, já publicaram respostas às falas de Trump, reiterando que não há dados que justifiquem a recomendação de restrição ampla do paracetamol na gravidez. Para a pediatra, o episódio evidencia como a desinformação em saúde pode ganhar proporção rapidamente quando parte de autoridades políticas. “Ciência não é opinião: é construída com dados, décadas de estudo e rigor metodológico. Trazer à tona dúvidas sem base sólida só amplia o sofrimento das famílias e dificulta o acesso a informações corretas”, conclui.

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