A iniciativa reforça a importância da acessibilidade cultural e da presença de artistas com deficiência em espaços educativos
A música como elemento de inclusão, convivência e memória cultural. Com essa proposta, três músicos com deficiência visual vêm realizando apresentações em escolas municipais de Joinville (SC), aproximando crianças da Educação Básica da vivência de pessoas com deficiência por meio de canções tradicionais, histórias de vida e interação artística.
O projeto, contemplado pela Lei Aldir Blanc, leva sessões gratuitas com cerca de 45 minutos de duração. As apresentações resgatam músicas tradicionais que atravessaram gerações e aproximam os estudantes da vivência de pessoas com deficiência visual. Para o coordenador do projeto, Nery Júnior, a proposta une cultura, memória e inclusão.
“Queríamos levar às escolas a perspectiva de que a pessoa com deficiência visual é como qualquer outra: conversa, dá risada, tem sentimentos. A inclusão não acontece fazendo por nós, mas fazendo conosco”, destaca.
Histórias que transformam
Entre os músicos está Jean Pierre, 34 anos, que nasceu com deficiência visual causada por rubéola congênita. Desde a infância, ele encontrou na música um caminho para se inserir socialmente.
“A música é um incentivo muito grande, onde eu me sinto inserido na sociedade. Também é um refúgio maravilhoso para nós”, conta.
Jean já participou de bandas de igreja, dupla sertaneja e apresentações em escolas. O retorno ao ambiente escolar, agora como artista convidado, tem sido uma oportunidade de inspirar crianças e mostrar que as diferenças podem ser pontes de aprendizado e convivência.
A trajetória de Bruno, 22 anos, também revela a força transformadora da música. Aos 15, ele perdeu a visão em decorrência de um tumor cerebral. O violão e a bateria, que já faziam parte da sua rotina desde os 8 anos, tornaram-se fundamentais no processo de adaptação.
“Voltar a tocar sem a visão foi uma barreira muito grande, mas a música me impulsionou. Foi nela que consegui me sentir parte de um grupo, de uma sociedade. Ela me ajudou a superar a tristeza e a encontrar novos caminhos”, relembra.
Cultura que conecta gerações
O projeto nasceu de conversas entre os músicos sobre as brincadeiras e canções que marcaram a infância da geração dos anos 1990. Jogos como taco, cabra-cega, pingue-pongue e músicas de roda como Ciranda, Cirandinha e A loja do mestre André inspiraram atividades que resgatam essa memória cultural dentro das escolas.
“As crianças hoje sabem tudo sobre tecnologia, mas muitas vezes desconhecem as músicas e brincadeiras tradicionais. Queríamos resgatar isso e, ao mesmo tempo, propor um momento de interação verdadeira, com dança, música e histórias”, explica Nery.
As apresentações incluem momentos de participação direta dos estudantes, que cantam, dançam e interagem com os músicos, criando um ambiente de integração e diálogo sobre diversidade.
Cultura acessível
A realização tem sido possível graças à Lei Aldir Blanc, que garantiu recursos para instrumentos, equipamentos e transporte. Para os artistas, trata-se de uma política cultural essencial para democratizar o acesso à arte e fortalecer a produção local.
“Sem essas leis, talvez essas crianças fossem muito mais alienadas à globalização. A cultura viabiliza desde a logística até o registro profissional do trabalho, garantindo que mais pessoas tenham acesso a ele”, afirma Nery.
Música como legado
Mais do que apresentações, o projeto deixa marcas nas crianças: a valorização da diversidade, a consciência sobre inclusão e o contato com manifestações culturais que resistem ao tempo.
“Nosso objetivo é que os alunos levem dessa experiência uma lição de empatia e respeito. Mostramos que a deficiência não é uma barreira para viver, criar e ensinar; pelo contrário, é uma oportunidade de enxergar o mundo de uma forma diferente”, conclui o coordenador.






