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ACESSIBILIDADE ELEITORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A PROMOÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

ByJornalismo Diário PcD

set 30, 2022
ACESSIBILIDADE ELEITORAL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA A PROMOÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
  • Por Joelson Dias e Ana Luísa Junqueira
  • INTRODUÇÃO

  • Embora seja imprescindível assegurar ao indivíduo liberdade para discutir publicamente
    suas reivindicações, as decisões políticas só podem ser consideradas legítimas em uma ordem
    democrática, se também o acesso à participação na esfera pública for garantido de forma
    igualitária a todos. Assim, a liberdade de se expressar politicamente é por si um valor essencial,
    mas deve ser garantida de forma igual a todos para que seja alcançada a justiça social.
    Por sua própria condição, determinados indivíduos necessitam de proteção específica,
    indispensável para que possam se incluir socialmente e participarem da vida pública e política
    em condições de igualdade. Para que a igualdade seja alcançada integralmente, devemos
    considerá-la também em sua dimensão material. As distinções dos diferentes grupos sociais
    (igualdade material) devem, então, ser levadas em conta, pois, do contrário, o direito acaba por
    gerar mais desigualdades. Em outras palavras, o tratamento jurídico desigual aos grupos
    socialmente mais vulneráveis, como é o caso das pessoas com deficiência, é essencial para se
    garantir a igualdade na realidade fática da vida. É a chamada “desigualação” positiva,
    desigualando para igualar.

  • É precisamente nesse contexto que surgem as normas destinadas a tutelar e promover a
    voz cidadã das pessoas com deficiência. Neste artigo, em primeira análise, tentaremos
    demonstrar a importância de a participação política ser considerada em uma dimensão inclusiva.
    Em seguida, no particular, abordaremos os objetivos traçados pela Convenção Internacional dos
    Direitos das Pessoas com Deficiência, pela Lei Brasileira de Inclusão e pelo
    Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral, apresentando também as recomendações de organismos internacionais de direitos humanos para a efetiva concretização desse direito e as principais observações do relatório do Tribunal Superior Eleitoral: Acessibilidade na justiça eleitoral – ano base 2019. Ao final, formulamos proposições para alterações legislativas no ordenamento jurídico nacional no sentido promover a convencionalidade das normas internacionais sobre o tema.
  1. PARTICIPAÇÃO POLÍTICA INCLUSIVA COMO SUBSTRATO DA
    DEMOCRACIA

    A partir da promulgação da Constituição da República do Brasil de 1988 (CR/88), há
    uma redefinição na estrutura social e política do país, lançando a democracia a um patamar
    nunca antes atingido. Dentre a positivação de inúmeros direitos humanos no texto
    constitucional, garante-se a participação popular na gestão da coisa pública.
    Com efeito, já no art. 1º da CR/88 o legislador constituinte concebeu a nova ordem
    democrática no Brasil sob o imperativo do Direito, fixando a cidadania, a dignidade da pessoa
    humana e o pluralismo político como fundamentos do Estado. Mais adiante, no parágrafo único
    do art. 1º, a CR/88 faz alusão à soberania popular, assegurando ao povo a participação direta
    (por exemplo, plebiscito, referendo, iniciativa popular e direito de petição) e indireta (decisões
    políticas tomadas por seus representantes eleitos).

  2. A participação é também assegurada no plano internacional de proteção de direitos
    humanos. Em âmbito global, o art. 25 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
    reconhece e protege o direito de cada cidadão participar na condução dos assuntos públicos, o
    direito de votar e ser votado e o direito de ter acesso ao serviço público. Regionalmente, os
    direitos políticos de participação estão previstos na Convenção Americana sobre Direitos
    Humanos (art. 23), no primeiro protocolo da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos
    Humanos e das Liberdades Fundamentais (art. 3) e na Carta Africana dos Direitos Humanos e
    dos Povos (art. 13).

  3. Ainda no direito internacional, existem, também, tratados específicos de direitos
    humanos que tutelam o direito de participar: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
    de Discriminação Racial (art. V, c), Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
    Discriminação contra as Mulheres (art. 7º), Convenção sobre os Direitos das Crianças (art. 23;
    31) e, claro, a própria Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
    – CDPCD (art. 76).

  4. Em termos conceituais entende-se a participação na vida pública e política como a
    atuação organizada e responsável dos indivíduos (ou organizações representativas em alguns
    casos) nas questões de interesse da cidadania e da coletividade. Não se restringe, portanto, a
    participação popular apenas ao ato de escolha de representantes políticos. É muito mais
    abrangente. Trata-se de uma dinâmica ínsita à natureza do indivíduo, compreendendo a política
    como toda ação inclinada ao atendimento de interesses coletivos para se alcançar um fim
    comum.1 Daí o caráter fundamental do direito de participação, que permeia a construção e a
    promoção especialmente dos direitos políticos, econômicos, sociais e culturais.
    A democracia tem amparo na isonomia, refutando desigualdades nas medidas da
    participação, porquanto ensejam desequilíbrios na influência política dos diferentes sujeitos e
    classes.4 Uma sociedade livre da opressão e submissão deve obrigatoriamente considerar a
    participação em dimensão equânime e inclusiva.
  5. O diálogo social só será legítimo se todos puderem participar em igualdade de oportunidades.
    Se as eleições instrumentalizam o enlace entre a vontade dos eleitores e as ações
    governamentais (Fayt, 2009, p. 225), colocando o demos no papel de governar, o espírito
    democrático inclina a política legislativa à persecução de um sistema de consultas populares
    amplamente receptivo, simpático a um abarcamento coletivo indiscriminado e avesso a
    cláusulas normativas e a condições fáticas injustificadamente tendentes ao desapreço ou à
    marginalização. Como pontua Roseno (2017, p. 566), o grau de abertura da participação política
    pesa no coeficiente democrático dos sistemas, de modo que quanto menos restritivas forem as
    condicionantes para o exercício dos direitos políticos, mais participativo e plural será o modelo
    adotado.

  6. Dessa forma, a garantia de que esse grupo específico de pessoas possa intervir nas
    decisões do Estado, especialmente nas questões que lhe dizem respeito mais diretamente,
    revela-se elemento crucial na construção e promoção de sua inclusão. Ao participarem da vida
    política e pública, a pessoa com deficiência tem oportunidade de lançar maior visibilidade às
    opressões e barreiras por ela vivenciada, fomentando a pressão pública para elaboração de leis
    e políticas públicas inclusivas e emancipatórias.5

Nesse aspecto, defendendo novas abordagens no combate às desigualdades, Fitoussi (1997,
passim) alerta a necessidade de se fazer emergir outro tipo de direitos: os direitos de inserção,
relacionados aos direitos de participação e de reconhecimento. Quanto maior o nível de
conscientização social que reconheça as pessoas com deficiência enquanto sujeitos de direitos,
maior a capacidade de se organizarem e lançarem voz à necessidade de medidas políticas
direcionadas às suas especificidades.


A acessibilidade eleitoral visa, assim, a erradicar barreiras que distanciam os indivíduos do
exercício de seus direitos políticos. A garantia ao sufrágio e às suas manifestações reclama,
dessa forma, a eliminação de obstáculos – atitudinais, físicos e socioeconômicos – impeditivos
ou que limitam principalmente os cidadãos com deficiência expressarem, para além de seu
direito ao sufrágio, 2 todo seu potencial político.

  1. ACESSIBILIDADE ELEITORAL
    Segundo dados do Relatório Mundial de 2011 sobre as pessoas com deficiência,
    elaborado pela Organização Mundial de Saúde, mais de um bilhão de pessoas no mundo
    convivem com algum tipo de impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
    ou sensorial, dentre as quais, 200 milhões experimentam dificuldades funcionais consideráveis.
    Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, só no Brasil, quase 46 milhões
    de brasileiros (24% da população) apresentam algum tipo de impedimento de natureza física,
    mental, intelectual ou sensorial. O impedimento visual apresentou a maior ocorrência, afetando
    18,6% da população, o impedimento motor em segundo lugar, ocorrendo em 7% da população;
    em terceiro lugar, o auditivo, ocorrendo em 5,10% da população, e o impedimento mental ou
    intelectual, em 1,40%.
    De acordo com dados divulgados em agosto de 2020 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 147.918.483 de eleitores brasileiros estavam aptos a votar nas Eleições 2020. Desse total, 1.158.234 declararam-se como pessoas com deficiência ou que necessitavam de algum tipo de atendimento especial. Por outro lado, do total de candidatos aos cargos para as eleições de 2020, 6.584 candidatos afirmaram ter algum tipo de impedimento, ou seja, apenas 1,2% do total de candidatos.
  2. Mais que o acesso ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, o direito à acessibilidade deve ser compreendido também em uma perspectiva mais ampla, como o direito de ter acesso a direitos. É, portanto, instrumento fundamental para a efetivação dos demais direitos e, por isso, a estreita relação entre dignidade humana e o direito à acessibilidade.
  3. A pessoa com deficiência somente poderá usufruir de uma vida digna caso tenha garantido acesso aos direitos fundamentais.
  4. Nesse sentido, mais particularmente, a acessibilidade eleitoral visa a erradicar as barreiras que limitam ou mesmo impedem o exercício pelas pessoas com deficiência dos seus direitos políticos. Não se traduz exclusivamente no direito de votar com facilidade, o que, por si só, não é menos importante, como, por exemplo, garantindo o direito de alistamento, removendo os obstáculos arquitetônicos dos locais de votação e tornando acessíveis as propagandas partidárias e eleitorais, bem como os pronunciamentos oficiais e debates televisivos (assegurando, em todos os casos, a sua veiculação com audiodescrição, língua de sinais e legenda). Mas, vai além, devendo criar as condições necessárias, com a adoção de medidas concretas, para a eliminação de males não menos piores, como a exclusão, a discriminação e o preconceito, que mitigam as chances de indivíduos com deficiência participarem da vida pública e política em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, especialmente de candidatos e candidatas com deficiência inclusive serem eleitos.
  5. No sistema global de proteção dos direitos humanos, a Convenção Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) – primeiro Tratado Internacional de Direitos Humanos incorporado ao ordenamento jurídico nacional com equivalência expressa de norma constitucional –, 3 surge, em 2006, não apenas como oportuno instrumento de efetivação dos mais variados direitos e garantias, mas como marco normativo revolucionário, que conduz também a legislação e as instituições eleitorais ao reencontro com os valores democráticos de inclusão e justiça social.
  6. Em seu art. 1º a CDPD, define pessoa com deficiência como aquela com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras (físicas, atitudinais, socioeconômicas) podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com os demais indivíduos.4

Nota-se relevante mudança de paradigma sobre a definição de pessoa com deficiência, afastando de vez o modelo médico do referido conceito. A deficiência deixa de ser tratada como uma limitação funcional ou perda de estrutura do corpo e passa a ser encarada como construção social e questão contextual. Dessa forma, a pessoa com deficiência apresenta maior dificuldade de acesso não em razão de suas limitações funcionais, mas pela incapacidade da sociedade de incluí-la em sua especificidade. Por consequência, a limitação do corpo deixa de ser um obstáculo quando removidas as barreiras que dificultam ou até mesmo impedem as pessoas com deficiência o pleno exercício dos seus direitos e assegurados, por exemplo, pelo Estado e pela sociedade, os recursos de acessibilidade necessários a sua inclusão, autonomia e vida independente.


3.1- ART. 29 DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Capítulo específico da Convenção (art.29) foi dedicado aos direitos e garantias de participação na vida pública e política das pessoas com deficiência, com o propósito de assegurar sua inclusão política, revigorando o substrato democrático do estatuto eleitoral.5 O objetivo foi romper a lógica da exclusão social que relega a pessoa com, naturalizando sua imagem como alguém dependente e incapaz de gerir sua vida e afastando-a das arenas (sociais e políticas) onde suas vozes podem ser consideradas.


No referido dispositivo nota-se que a vida pública e a participação política estão intimamente relacionadas. Schewerin (1995, p.69) destaca que a capacidade de ação política do indivíduo pode ser estimulada por sua vida social. Assim, as atividades políticas e as de natureza pública/social não são independentes entre si, ao contrário, ambas expressam um envolvimento integrado que podem influenciar o panorama comunitário, ao passo que uma sociedade democrática não comporta somente sistemas políticos como via de transformação social, mas também um número diversificado de subsistemas que contribuem para o reforço do processo político democrático.


De uma forma geral, a Convenção assegura o direito de as pessoas com deficiência votarem e serem votadas em condições de igualdade com as demais pessoas. Para isso, inclusive desencorajando seção especial de votação, determina que os procedimentos, instalações e materiais e equipamentos para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso (como, por exemplo, software que traduza em áudio e Libras as informações do site do Tribunal Eleitoral, material de votação em Braille, sistema de áudio para acompanhar votação, mesários capacitados em Libras, celebração de acordos e convênios de cooperação técnica com entidades públicas e privadas para planejar a realização de adaptações das estruturas físicas necessárias à garantia da acessibilidade).

Além disso, concomitantemente à promoção do direito ao voto secreto, o documento garante, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação por alguém de sua escolha. Incentiva também a promoção de ambiente no qual as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na condução das questões públicas, mediante filiação a organizações não governamentais relacionadas com a vida pública e política do país, inclusive partidos políticos, e a formação de organizações (em âmbito internacional, regional, nacional e local) que representem seus interesses.


3.2- COMITÊ DA ONU SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
O Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, órgão criado para promover a implementação e monitoramento dos direitos previstos na CDPD, em seu Comentário Geral n° 1, expressou que os Estados Partes têm a obrigação de proteger e promover o direito de as pessoas participarem sem discriminação em todas as eleições e referendos, sendo a capacidade jurídica essencial para o exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.6 No Brasil, consoante o disposto no art. 3º do Código Civil, alterado pela Lei Brasileira de Inclusão (art. 114 da Lei n° 13.146/15), são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos, não alcançando as pessoas com deficiência.


Em seu Comentário Geral nº 3, sobre mulheres e meninas com deficiência, referido órgão recomenda aos Estados Partes a alteração de qualquer norma ou política que restrinja sua plena participação na vida política. 11 Além disso, no Comentário Geral n° 4, dedicado ao direito à educação inclusiva recorda a conexão entre educação inclusiva e plena participação na vida política e pública, recomendando disciplinas sobre cidadania nos currículos educacionais e que seja estimulada a participação dos alunos com deficiência nas organizações estudantis.12

Além disso, o Comitê expressa que o direito à participação política também está intimamente relacionado ao direito de viver em comunidade. Nesse sentido, lembra que as pessoas com deficiência devem influenciar nas características da vida em comunidade por meio de sua participação política.13

Ainda sobre o assunto, na Comunicação nº 4/2011, apresentada contra a Hungria, o Comitê teve de decidir se a legislação húngara era discriminatória por motivo de deficiência e se os direitos políticos das pessoas com deficiência, incluindo o direito de voto, eram garantidos em igualdade de oportunidade.14 Na época da reclamação, a constituição húngara de 1949 excluía do direito de voto qualquer pessoa sujeita à tutela parcial ou total. Posteriormente, em 2012, e antes da apreciação do mérito do caso, houve reforma constitucional que, ao contrário do anterior sistema de exclusão automática, estabelecia que compete ao juiz decidir sobre o direito de voto, tendo em conta as circunstâncias de cada pessoa e com base nas opiniões de psiquiatras forenses. Na referida Comunicação, o Comitê determinou que a) a obrigação dos Estados Partes é garantir a participação plena e efetiva na vida política em igualdade de condições, sem restrições ou exceções com relação a qualquer grupo de pessoas com deficiência, considerando discriminatória qualquer exclusão com base em deficiência; b) em relação à capacidade jurídica, os Estados Partes devem reconhecê-la e protegê-la em igualdade de condições, de modo que restringir o direito de voto com base em impedimento intelectual viola as obrigações do artigo 29 da Convenção; c) o Comitê considera que a avaliação da capacidade das pessoas é considerada discriminatória; c) considerou que o Estado Parte (Hungria) não cumpriu com as suas obrigações em relação ao artigo 29 e, entre outras, instou o Estado a considerar a revogação da lei e a promulgar legislação que reconheça o direito de voto das pessoas com deficiência sem qualquer avaliação de sua capacidade.

No Brasil, em 2015, ao comentar relatório oficial apresentado pelo país, o Comitê da ONU que supervisiona a implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência externou sua preocupação com a discriminação sofrida por tais indivíduos no exercício do seu direito de voto, especialmente em razão de interdição e restrições a sua capacidade jurídica, além da falta de acessibilidade em muitos locais de votação e nas informações sobre as eleições e campanhas eleitorais em todos os formatos acessíveis.15

3.3- LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO E PROGRAMA DE ACESSIBILIDADE DO
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)

Além do Código Eleitoral (Lei n° 4737/65), que já prevê uma série de medidas voltadas à acessibilidade eleitoral (arts. 101 e 135), a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – LBI (Lei n° 13.146/15) reafirma referidas garantias de participação na vida pública e política das pessoas com deficiência previstas na Convenção (art. 76).

Seguindo a Convenção, a LBI visa a garantir às pessoas com deficiência o exercício dos direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com os demais indivíduos. Para isso, assegura-lhes o direito amplo e irrestrito de votar e ser votado, obrigando o poder público a garantir: a) que os procedimentos, instalações e materiais para votação sejam acessíveis e de fácil compreensão e uso; b) voto secreto, livre e universal, bem como o incentivo às pessoas com deficiência candidatarem-se livremente a cargo eletivo ou desempenhar qualquer função pública; c) a livre expressão da vontade da pessoa com deficiência como eleitor e a possibilidade de que utilize apoios pessoais ou técnicos no exercício desta vontade.16

Antes mesmo da promulgação da LBI, na tentativa de equiparar oportunidades no exercício da cidadania aos eleitores com deficiência ou mobilidade reduzida, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já havia criado o Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral, (Resolução TSE n° 23.381/2012), que, na mesma linha do que, posteriormente seria procedimentos, nas instalações e nos materiais para votação.

Tendo como objetivo a implantação gradual de medidas que removam barreiras físicas, arquitetônicas e de comunicação, o propósito do Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral é promover o acesso amplo e irrestrito com segurança e autonomia às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida no processo eleitoral.

Em 2019, em reconhecimento do seu ineditismo e de sua contribuição para a efetivação da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoa com Deficiência, o Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral foi inclusive selecionado pelo Zero Project (iniciativa da Fundação Essl, da Áustria), com foco na garantia e promoção dos direitos das pessoas com deficiência em âmbito global, como uma das políticas públicas mais inovadoras do mundo, em prol da vida independente e participação política das pessoas com deficiência.7


Ou seja, não obstante a relevância da adoção de normas assegurando os direitos políticos das pessoas com deficiência, para a efetiva garantia da acessibilidade eleitoral revela-se de fundamental importância a execução e implementação integral das medidas específicas neste sentido previstas tanto no Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral como nas demais Resoluções do TSE referentes às Eleições.18

No particular, destacam-se, por exemplo: a garantia de utilização do alfabeto comum ou do sistema braile pelos eleitores com deficiência visual para assinatura do Caderno de Votação ou, se for o caso, assinalar as cédulas (art. 150 do Código Eleitoral); as parcerias a serem buscadas pelos TRE’s para incentivar o cadastramento de mesários e colaboradores com conhecimento em Libras, a Língua Brasileira de Sinais (art. 51 do Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral); a garantia de locais de votação acessíveis para o eleitor com deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive em seu entorno e nos sistemas de transporte que lhe dão acesso (art. 135 do Código Eleitoral e art. 3º, I do Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral); a possibilidade de o eleitor ser acompanhado por uma pessoa de sua confiança para votar, ainda que não o tenha requerido antecipadamente ao juiz eleitoral (art. 51 do Código Eleitoral, art. 90 da Resolução do TSE nº 23.399/2013 e § 1º, inciso IV do art. 76 da LBI); e a disponibilização de régua para assinatura ou assinador para as pessoas com deficiência visual (art. 150, II do Código Eleitoral e § 4º, II do art. 101 da Resolução do TSE nº 23.611/2019).

3.4 – RELATÓRIO DO TSE: ACESSIBILIDADE NA JUSTIÇA ELEITORAL – ANO BASE 2019
Enaltecemos os esforços que a Justiça Eleitoral a cada pleito realiza para a maior concretização do seu Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral. Nas últimas eleições, importante mencionar que o TSE conclamou aos tribunais regionais propiciarem maior acessibilidade no processo de votação, mediante a implementação de medidas como: extensão da sintetização de voz aos nomes dos candidatos; nomeação de apoio logístico para tornar acessível cada local de votação; atualização das informações sobre deficiência no Cadastro Nacional de Eleitores e a acessibilidade nas propagandas das eleições municipais.

No mesmo sentido, destacamos que o TSE disponibilizou em seu Portal a publicação “Acessibilidade na Justiça Eleitoral – Ano-base 2019”, que informa as inúmeras ações desenvolvidas pela Justiça Eleitoral em todo o país para a promoção efetiva da acessibilidade dos cidadãos para o exercício do voto. O documento reúne os dados dos relatórios enviados ao TSE pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) em cumprimento às ações relacionadas ao Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral. Ao todo, constam informações da gestão da acessibilidade realizada pelo TSE e por 16 Regionais em 2019. Entre as iniciativas apontadas na publicação destaca-se a realização de Reunião Nacional de Acessibilidade promovida pelo TSE com a participação dos TREs, que alinhou ações da Justiça Eleitoral às previsões da Lei Brasileira de Inclusão (LBI). A publicação também informa a realização do 1º Encontro Nacional de Acessibilidade e Inclusão (ENAI), realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).


Esperamos que a Justiça Eleitoral brasileira continue a aprimorar a acessibilidade eleitoral e reitere as orientações aos juízes eleitorais e mesários, bem assim aos partidos políticos e à sociedade em geral, no propósito de garantir a acessibilidade eleitoral e o direito ao sufrágio das pessoas com deficiência.

CONCLUSÃO
Em uma democracia, a ação política só pode ser eficaz quando observa uma correspondência fiel com a ética e com a racionalidade de seus fundamentos. Não existirá, pois, uma sociedade democraticamente operativa onde o arcabouço jurídico contrarie a lógica estruturante da axiologia eleitoral.19

A axiologia eleitoral tem como um de seus centros a universalidade do sufrágio, valor que atua como um mandato de proibição de discriminação que veda o alheamento injustificado da participação eleitoral. Nessa esteira, o princípio do sufrágio universal carrega também um “sentido dinâmico”, na direção de, eventualmente, tornar inconstitucionais restrições ao direito de sufrágio que passem a ser vistas como desnecessárias e desproporcionadas.20

Os valores capitalistas têm sido responsável pela consolidação de uma legitimidade institucional discriminatória,21 que, dentre outros grupos socialmente vulnerabilizados em seus direitos, reconhece a pessoa com deficiência como um indivíduo excedente, “economicamente improdutivo”. Por isso, é urgente um repensar sobre a efetividade das políticas atuais a favor das pessoas com deficiência, sendo essencial arquitetar ações com base nas recomendações das Nações Unidas e nas boas práticas do direito comparado que estejam de fato garantindo reconhecimento, representatividade e participação política desse importante segmento social.

Ao não participarem da vida em sociedade, o ciclo de opressão, segregação, capacitismo e invisibilidade jamais será rompido. Isso porque existe uma conexão estreita entre a participação política e os demais direitos essenciais para a preservação da dignidade humana. Ao participar ativamente na esfera pública, o indivíduo interfere na construção e efetivação de seus outros direitos fundamentais: civis, econômicos, sociais e culturais.

É, assim, agente de transformação social, incluindo e emancipando grupo socialmente mais vulnerável.22

Não foi por outro motivo, buscando assegurar-lhes efetiva inclusão na sociedade, que, principalmente a partir da adoção da Convenção da ONU, consolidou-se, internacionalmente, a ideia de que as pessoas com deficiência devem ter a oportunidade de participar plena e ativamente da vida pública e política, especialmente das decisões sobre os programas e políticas que, diretamente, lhes dizem respeito.

Bem representativo desses esforços é o lema desse movimento internacional pela afirmação de direitos: “nada sobre as pessoas com deficiência, sem as pessoas com deficiência!”

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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  • Joelson Dias é Advogado, sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, Brasília-DF. Ex-Ministro Substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Atual Secretário do Conselho de Colégios e Ordem dos Advogados do Mercosul (COADEM) e Membro da Comissão Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB. Foi Procurador da Fazenda Nacional e servidor concursado do Tribunal Superior Eleitoral e da
    Câmara Legislativa do Distrito Federal. Foi assistente da Promotoria no Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia, em Haia, na Holanda (1997) e atuou como Consultor na Missão Civil Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti (1993-1994).
  • Ana Luísa Junqueira é Advogada parceira do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, Brasília-DF. Mestre em direitos humanos pela Universidade do Minho em Portugal e doutoranda pela Universidade de Coimbra em Portugal.


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