Uma matéria de Ana Marin, portal G1 São Carlos e Araraquara, interior de SP, publicada nesta sexta-feira, 10, trouxe revolta e indignação em todo o Brasil.
Confira a íntegra da matéria, divulgada pelo portal:
Cuidadora que filmou e denunciou agressão contra aluno autista foi demitida: ‘faria tudo de novo’, diz
Maus-tratos aconteceram em setembro do ano passado em escola estadual de Matão (SP). Professoras envolvidas no caso foram exoneradas e uma delas foi denunciada pela polícia.
A cuidadora que gravou uma criança autista sendo agredida na Escola Estadual Dr. Leopoldo Meira de Andrade, em Matão (SP), disse ao g1, nesta sexta-feira (10), que foi demitida três meses depois de ter feito a denúncia.
“Na época, fui afastada da escola antes das professoras [que agrediram]. Mas eu faria tudo de novo, sem pensar duas vezes, não me arrependo”, declarou.
A professora Patrícia Mota foi investigada por maus-tratos e a Polícia Civil relatou o caso à Justiça. Ela e as outras duas funcionárias envolvidas foram exoneradas, segundo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP). (veja posicionamento completo abaixo).
Decisão de filmar agressões
As imagens foram feitas em setembro de 2022, mas foram divulgadas somente nesta quinta-feira (9). De acordo com a mulher, que não quis ser identificada, fazia apenas dois meses que ela trabalhava na escola e, por isso, ela tomou a decisão de filmar as agressões para provar que elas aconteciam.
“Eu desconfiava, mas era nova no trabalho, como que eu ia provar pra direção que isso estava acontecendo? Naquele dia percebi uma movimentação estranha, os gritos, coloquei o celular para gravar e entrei na sala”, contou.
Antes de procurar a família da criança, a cuidadora foi até a delegacia da cidade, entregou as imagens e registrou um boletim de ocorrência.
“Eu não sabia o que fazer, é uma situação que a gente fica de mãos atadas. Até agora eu me pergunto como eu consegui gravar todo aquele tempo. Às vezes, as pessoas me falam ‘por que você não gravou dez minutos e foi fazer alguma coisa?’, na hora, ali, eu fiquei sem reação”, desabafou.
A cuidadora era contratada por uma empresa terceirizada que prestava serviços à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc).
Após a denúncia, ela foi afastada da escola, ficou um mês em casa, mas com contrato vigente, depois foi realocada em outra escola para cobrir um afastamento. Em janeiro deste ano, porém, ela foi demitida e até agora não conseguiu outro emprego.
Reviver o dia ruim
A mulher disse ao g1 que, com a nova repercussão e divulgação do vídeo nas redes sociais e na televisão, ela sente como se estivesse revivendo o dia das agressões.
“Eu falei pra minha mãe, a hora que eu vejo o vídeo e escuto é como se eu tivesse vivendo o dia inteirinho de novo. O caso me abalou emocionalmente de uma forma que eu tive que fazer terapia, tomar antidepressivo. É uma situação difícil de lidar”, disse.
“Também teve bastante conversa. Ainda bem que a família da criança não foi conivente com o que aconteceu e o pessoal aqui em casa apoiou minha decisão, graças a Deus”, completou.
Agressões
Nas imagens entregues à polícia, é possível ver a professora Patrícia Mota, que foi contratada para auxiliar na educação da criança autista, agredindo-a de diversas formas.
Em mais de 20 minutos de gravação a mulher:
- Prensa o garoto várias vezes contra a parede;
- Prende o menino no chão, segurando suas pernas com o joelho e imobilizando seus braços com as mãos;
- Empurra o menino pela sala toda até que ele bate contra a parede;
- Grita o tempo todo, chama o menino de onça e sujo, diz que vai chamar a polícia;
- Segura a criança pelo pescoço e prensa o rosto dela no chão;
- Torce o braço do menino várias vezes;
- Bate com a mochila no rosto dele;
- Tampa a boca dele;
- Segura a bolacha sobre a cabeça do menino, proibindo-o de comer.
O garoto chora o tempo todo, em alguns momentos pede para que ela o solte. Várias vezes ele tenta bater na professora e cada vez é repelido com mais truculência aos gritos de “você não vai me bater” ou provocações de “você vai me bater? Quero ver me bater?”.
Outras duas funcionárias também participam da agressão. Uma delas puxa o capuz do moletom, enforcando o menino. Em um determinado momento, as três imobilizam a criança, que grita desesperada.
Uma das pessoas presentes ironiza: “As meninas da limpeza que estão aqui pensam que a gente tá matando”.
As agressões são feitas sob o olhar dos outros alunos na sala de aula, que, ora riem, ora tampam o rosto, e também no pátio da escola.
Processo
A mãe do menino, que hoje tem 10 anos, disse que começou a perceber uma mudança de comportamento nas atitudes do filho, principalmente quando ele chegava da escola.
“Ele mudou, está mais agressivo, ele não tem muita paciência mais com as coisas. Você fala ‘não’ para ele, fica nervoso. Ele jogou o celular no meu olho. Tá mais agressivo”, contou a mãe do menino, Silene Fátima Venção, em entrevista à EPTV em outubro do ano passado.
Ela disse que não teve coragem de ver o vídeo. A família procurou um advogado que irá entrar com um processo civil contra as três funcionárias da escola envolvidas nas agressões, por dano moral.
A tia da criança, Sandra Simonetti, diz que a forma como a professora agiu não deixou o seu sobrinho sair da situação.
“Ele tenta sair, ela puxa ele de volta, joga no chão. Ela acuou ele de uma forma que ele não conseguia sair do surto, da crise que deu ali no momento. Você não pode torturar uma criança de 9 anos por 20, 30 minutos, em três”, afirmou.
Todos os adultos que aparecem no vídeo foram ouvidos pela polícia, que encaminhou a denúncia ao Ministério Público.
No seu depoimento, a professora Patricia Mota disse que era responsável pelo menino e que ele teve um surto muito forte e para tentar acalmá-lo e foram necessários contatos físicos. Confessou que “perdeu o controle da situação e que talvez tenha se perdido na técnica e no conhecimento, agindo de uma maneira não tão profissional”.
Disse ainda que não agiu por má fé ou malícia e reconheceu um possível exagero e rigor físico e ofensas desnecessários, mas que estava em um momento de estresse. Ela disse à polícia que está sofrendo ameaças.
O que dizem os envolvidos
O g1 procurou as professoras envolvidas. A professora auxiliar, Patrícia Mota, acusada das agressões não atendeu as ligações. O seu advogado enviou a seguinte nota:
“A defesa da investigada P. G. M., vem, por meio da presente nota, manifestar-se acerca das investigações relacionadas à apuração de suposto crime de maus tratos, conduzidos pela Polícia Civil do Estado de São Paulo.
De início, cumpre esclarecer que, os fatos ainda estão sendo investigados pela delegacia de Matão/SP e que não há denúncia proposta pelo Mnistério Público do Estado de São Paulo.
No mais, a investigada se defenderá nos autos do processo em momento oportuno.”
A professora que dava aula no momento das agressões disse que iria se manifestar pelo advogado, mas ele não atendeu as ligações.
A outra funcionária, que também aparece agredindo a criança disse que não iria se manifestar sobre o assunto.
A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) informou, por meio de nota, que a criança está recebendo todo suporte pedagógico, com professor regente, auxiliar e de outras disciplinas. Que foi disponibilizado o acompanhamento do aluno pelos profissionais do psicólogos da educação, se for autorizado pelos pais.
Disse ainda que as três docentes envolvidas e a cuidadora não fazem mais parte da rede estadual desde 2022 e que a pasta não compactua com desvios de conduta e segue colaborando com as investigações.
Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2023/02/10/cuidadora-que-filmou-e-denunciou-agressao-contra-aluno-autista-foi-demitida-faria-tudo-de-novo-diz.ghtml