- * Por Lucelmo Lacerda
Uma a cada 44 crianças tem autismo. Esse é o dado mais recente do Centro de Controle de
Doenças (CDC) dos EUA. Isto quer dizer que a probabilidade de que você, leitor, tenha um filho ou
sobrinho ou pessoa próxima com esta condição é bastante alta. Portanto, uma boa dose de
informação sobre o fenômeno lhe fará bem quando ele se apresentar a você.
No dia 2 de abril é comemorado o Dia Internacional de Conscientização Sobre o Autismo,
conclamado pela Organização das Nações Unidas (ONU), data que alcança todo o mês. Para quem
vive neste universo, é uma oportunidade de falar sobre o tema e ser ouvido pela sociedade, em
que nós, maluquetes que só falam nisso no Instagram, podemos apresentar um ar sério e
respeitável em palcos mais amplos do que nossas próprias bolhas.
O autismo, na verdade, tem um nome mais rebuscado, o Transtorno do Espectro Autista,
conhecido pela sigla TEA. Esse nome, “espectro”, diz respeito à imensa pluralidade de sua
apresentação, que pode ser pela onipresença de a) prejuízo significativo na comunicação social
(envolve linguagem verbal, não-verbal e integração entre elas, reciprocidade socioemocional e
iniciação e manutenção de relações); e b) padrões fixos e restritos de comportamentos e
interesses (envolve estereotipias motoras e vocais, ritualizações, inflexibilidade cognitiva e
alterações sensoriais); mas cujas manifestações podem ser tão amplas quanto possamos imaginar.
Se trouxéssemos os três sobrinhos do Tio Patinhas ao espectro autista, poderíamos ter Huguinho
como um sujeito que não fala uma só palavra, nunca falou. Quando falamos com ele, não somos
respondidos, ele não nos entende, exceto algumas palavras muito simples, como o nome de seus
itens prediletos. Huguinho deixou a todos preocupados em certo tempo com o comportamento
autolesivo relevante de bater a cabeça na parede, o que já foi superado, embora haja ainda crises
de gritos. Além disso, ele precisa de apoio para todas as atividades diárias relevantes, como tomar
banho ou comer, o que torna árdua a vida de seus pais. Essas classificações são imprecisas, mas
provavelmente definiríamos Huguinho como uma pessoa com autismo severo.
Zezinho, por outro lado, tem um percurso muito diferente, ele falou cedo e de maneira rebuscada,
usando palavras difíceis e com um idioma impecável rapidamente. Super inteligente, Zezinho não
tem problemas com suas atividades diárias e jamais passou por problemas acadêmicos, mas por
outro lado, enfrentou séria e reiterada ira de seus colegas da escola (parece não ser competente
nesta área), nunca fez um amigo sequer e metralha seus pais durante todos os dias sobre os temas
de sua preferência (recentemente, fósseis de dinossauros especificamente do oriente médio), sem
aceitar por qualquer tempo ser contrariado sobre suas convicções no tema. Zezinho
provavelmente seria entendido como portador de autismo leve, embora não seja nada leve a vida
com esta condição.
Luizinho poderia estar no meio termo, falar bem, mas não ter habilidades de conversação, resolver
parte de suas atividades diárias, mas não conseguir realizar atividades externas e ter bastante dificuldade nas atividades escolares, talvez especialmente em disciplinas mais subjetivas. O caso
de Luizinho seria bem entendido como o de um autismo moderado.
Todas essas tão distintas expressões são possibilidades exemplificativas no espectro autista e elas
merecem atenção e respeito. Imaginemos esses quadros descritos apresentando-se na escola,
quanto apoio demandam? Estamos fazendo todo o necessário? Longe disso! Por isso, além do mês de abril, todo dia do ano é dia de falar sobre o Transtorno do Espectro Autista.
- Lucelmo Lacerda é autista e pai de autista, Doutor em Educação, autor do livro “Crítica à
Pseudociência em Educação Especial – Trilhas de uma educação inclusiva baseada em evidências”.