OPINIÃO
- * Por Valmir de Souza
A realização da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, em Belém, marcada para novembro de 2025, trouxe à tona um debate urgente, mas ainda pouco explorado: a necessidade de investimentos em acessibilidade e inclusão em eventos globais dessa magnitude. Enquanto grande parte das críticas se concentra, com razão, nos preços abusivos da rede hoteleira e nos custos bilionários da preparação, pouco se fala sobre o legado que poderia, e deveria, ser construído para pessoas com deficiência e para a mobilidade urbana de maneira geral.
Estive recentemente em Belém e pude constatar que há reformas em andamento em espaços públicos e áreas estratégicas, do aeroporto às praças centrais. É verdade: ainda estamos longe de atingir o ideal. Rampas inacessíveis, transporte público limitado e calçadas irregulares continuam sendo obstáculos diários para quem precisa se locomover com autonomia. No entanto, ignorar que esse evento pode acelerar transformações estruturais seria desperdiçar uma oportunidade histórica.
Grandes eventos internacionais, como as Olimpíadas ou a Copa do Mundo, costumam deixar marcas duradouras nas cidades-sede. Mas o que se observa é que, muitas vezes, os investimentos ficam restritos a áreas visíveis para turistas, enquanto a população local segue enfrentando dificuldades para acessar espaços básicos. O legado da COP30 precisa ser diferente: não pode ser apenas a construção de centros de convenções ou a ampliação da rede hoteleira. É fundamental que cada real investido também se traduza em rampas adequadas, transporte acessível, sinalização tátil, comunicação inclusiva e infraestrutura pensada para todas as pessoas.
Essa não é uma responsabilidade exclusiva do governo federal. A iniciativa privada, que se beneficia diretamente do aumento do fluxo de visitantes, também deve assumir sua parte. Hotéis, restaurantes, empresas de transporte e espaços de eventos precisam estar comprometidos com padrões de acessibilidade que garantam igualdade de participação. E a sociedade, por sua vez, deve cobrar e fiscalizar para que o direito à inclusão não seja tratado como um detalhe secundário.
O Brasil, que busca afirmar-se no cenário internacional como liderança em sustentabilidade e bem-estar social, tem a chance de transformar a COP30 em um marco de acessibilidade. Mas para isso, é preciso que a discussão vá além da disputa política e do cálculo eleitoral. O verdadeiro legado de um evento global não pode ser medido apenas em cifras ou em manchetes, mas na qualidade de vida das pessoas que continuarão vivendo na cidade depois que as luzes do palco internacional se apagarem.
Se quisermos um país realmente protagonista, não basta sediar grandes conferências: é necessário garantir que todos possam participar delas. Inclusão não é luxo. É direito. E se a COP30 não deixar esse legado, terá perdido a chance de ser lembrada não apenas como a “conferência do clima”, mas como a oportunidade desperdiçada de mostrar ao mundo que o Brasil sabe cuidar de sua própria gente.
(*) Valmir de Souza é COO da Biomob, startup especializada em consultoria para acessibilidade arquitetônica, digital e atitudinal; criação e adaptação de sites e aplicativos às normas de acessibilidade; além de atuar na capacitação de pessoas com deficiência para o mercado de trabalho.