A insegurança aprisiona a pessoa com deficiência

A insegurança aprisiona a pessoa com deficiência OPINIÃO - * Por André Naves

OPINIÃO

  • Por André Naves

Para milhões de brasileiros, a liberdade é uma ilusão! Um sempre festejado Direito Humano que se esvai diante da realidade brutal da insegurança. Mas para um segmento da nossa sociedade – as pessoas com deficiência –, essa privação é ainda mais severa. Para elas, a verdadeira prisão é a do medo. É o pavor de sair de casa, de ser abordado, de ser vítima da violência!
 

Isso acaba que as condena a um cárcere domiciliar, privando-as de tratamentos essenciais, da convivência comunitária e, em última instância, da própria vida. Essa realidade não é apenas uma violência individual; é uma chaga purulenta de uma doença social mais profunda, que desnuda os alicerces corroídos da nossa Civilidade e da nossa Humanidade.
 

Não se trata apenas de uma percepção subjetiva, mas de uma realidade estatística que exige atenção. O Atlas da Violência 2025 revela que, em 2023, foram registrados 14.600 casos de violência contra pessoas com deficiência, o que equivale a quase 40 por dia. Um número que, sabemos, é vergonhosamente subnotificado, pois muitas vítimas não conseguem ou não têm meios de denunciar.
 

Dentro desse cenário desolador, as mulheres com deficiência são as mais atingidas, representando 68,8% das vítimas. Esses números são vidas interrompidas, sonhos desfeitos, traumas perpetuados. Os impedimentos, de ordem física, sensorial ou intelectual, dessas pessoas as tornam alvos fáceis para a criminalidade, transformando cada saída em um ato de coragem ou desespero.
 

Essa tragédia específica é parte de um horroroso cenário de falência da segurança pública no Brasil.
 

Embora o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 aponte uma queda no número de homicídios, a sensação de insegurança que aprisiona o cidadão honesto permanece intacta. É um sinal da sofisticação criminosa: menos mortes, mas mais medo. O modelo de segurança pública que privilegia a violência estatal e o confronto direto, em vez da inteligência e da cidadania, mostra-se ineficaz e, pior, gera uma profunda desconfiança na própria força policial.
 

Não à toa, uma pesquisa Datafolha de 2024 mostra que 51% dos brasileiros têm mais medo da polícia do que confiança nela. Quando o Estado só se faz presente com o fuzil, e não com a cidadania, ele falha em sua missão primária de proteger e servir, deixando o cidadão à mercê do banditismo e da própria arbitrariedade.

A raiz mais profunda desse problema reside em uma cultura que, perigosamente, desconectou a Liberdade da Responsabilidade. A violência e a insegurança florescem em um terreno adubado pelo esterco da impunidade. Ela é, em si, uma violação inaceitável dos Direitos Humanos, pois sinaliza que o ato criminoso não terá consequência, que a transgressão compensa. Essa lassidão e a permissividade com a criminalidade não apenas desestimulam a ordem, mas desconsideram o maior Direito Humano: o Dever Individual de Responsabilidade pelos atos cometidos.
 

Quando a sociedade e o sistema de justiça falham em exigir essa responsabilidade, abrimos as portas para o caos, para a barbárie, e para a perpetuação do ciclo vicioso da violência.
 

A consequência direta dessa impunidade gritante é uma descrença generalizada nos direitos humanos, que passam a ser erroneamente associados à “defesa de bandido”. Esse discurso simplista e perigoso alimenta um ciclo de barbárie, incentivando condutas arbitrárias e violentas na sociedade, como linchamentos e a perigosa retórica do “bandido bom é bandido morto”.
 

Nesse cenário de polarização e desumanização, os mais vulnerabilizados – e as pessoas com deficiência estão no topo dessa lista – são as vítimas finais, esmagadas entre a violência dos criminosos e a ineficácia ou a arbitrariedade do Estado. A perda da liberdade de ir e vir, de buscar tratamento, de conviver em comunidade, é um preço alto demais a ser pago pela falha coletiva em garantir a Segurança e a Justiça.
 

É urgente, portanto, que tracemos um caminho para a reconstrução, que vá muito além do óbvio aumento do policiamento ostensivo. Precisamos de uma estratégia multifacetada e humanista. Em primeiro lugar, é fundamental investir em inteligência e estratégia. O combate ao crime deve focar nas altas esferas, no dinheiro que financia o banditismo, nas rotas de armas e drogas, e não apenas no confronto estéril na ponta, que muitas vezes vítima inocentes e gera mais violência.
 

Em segundo lugar, é imperativo um combate feroz à impunidade. Precisamos de um sistema de justiça que responsabilize efetivamente, que resgate a noção de que “toda colheita é compulsória”, que cada ato tem sua consequência.
 

Por fim, e talvez o mais importante, precisamos ressignificar os Direitos Humanos. A verdadeira defesa dos Direitos Humanos passa, necessariamente, pelo fortalecimento da noção de dever e responsabilidade.

Direitos Humanos de verdade não são um obstáculo à Segurança; são um pressuposto ético que exigem um Estado guardião do cidadão, responsabilizando os transgressores e, assim, garantindo que a Liberdade de um não signifique a prisão do outro.
 

Somente assim poderemos desmantelar o cativeiro do medo e devolver a Dignidade e a Liberdade a todos os brasileiros.

*André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural, Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).

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