Tratamento é o único eficaz para crianças com Distrofia Muscular de Duchenne; Elevidys está suspenso temporariamente pela Anvisa desde julho deste ano
Uma campanha nacional de arrecadação de assinaturas é uma das últimas esperanças para que centenas de crianças brasileiras continuem vivendo. A iniciativa, promovida pelos pais dos pacientes, pede que a Anvisa retome o uso e a comercialização do medicamento Elevidys no Brasil, atualmente, o único capaz de tratar a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), uma doença genética rara que causa fraqueza muscular progressiva e leva o paciente à morte precoce.
O Elevidys é um remédio de altíssimo custo: são R$ 17 milhões, por uma dose única. O valor, por si só, já é um desafio para as famílias das crianças afetadas e faz com que muitas recorram a rifas, campanhas solidárias e vaquinhas virtuais para tentar chegar ao montante necessário. Por meio da Justiça, vários pacientes já receberam o direito de ter o medicamento custeado pelo Governo Federal e aguardavam na fila para passar pelo tratamento.
Porém, em julho deste ano, a Anvisa decidiu suspender temporariamente o uso e a comercialização do Elevidys no país, após um alerta emitido pela FDA (Food & Drug Administration) — agência americana reguladora de alimentos, medicamentos e outros produtos — sobre três casos de óbito ocorridos após a administração do medicamento.
Após a suspensão do Elevidys, os EUA realizaram uma análise criteriosa dos três casos que motivaram o alerta. O estudo mostrou que nenhum deles se enquadrava nos critérios de segurança recomendados na bula, que indica o uso em crianças de até 7 anos e 11 meses e que ainda possuam a capacidade de andar.
Foi constatado que os óbitos registrados após a administração do medicamento foram de um homem de 51 anos, de um menino de 13 anos cadeirante e de um paciente que morreu por complicações da H1N1, uma infecção viral grave que, mesmo sozinha, pode ser fatal.
Diante dessas evidências, a própria FDA retomou a liberação do Elevidys nos Estados Unidos, reforçando os critérios adequados, a faixa etária correta e a necessidade de acompanhamento médico especializado. Porém, no Brasil, a suspensão do medicamento pela Anvisa continua, ainda que centenas de crianças necessitem urgentemente do medicamento para viver.
Vale lembrar que o Elevidys já havia sido aprovado anteriormente pela Anvisa e que a medida não é uma proibição, mas uma suspensão preventiva e temporária que pode ser revista a qualquer momento pelo órgão. Porém, até o momento, ainda que as famílias tenham garantido na Justiça o direito de receber o tratamento gratuitamente ou arrecadem o valor necessário para comprá-lo, os pacientes não terão acesso ao remédio no Brasil.
A campanha
Diante desse cenário, a Casa Arthur – entidade de Sorocaba (SP) fundada por Natália Jordão Lara, mãe do menino Arthur, de 6 anos, que tem DMD –, iniciou um abaixo-assinado para tentar reverter a situação.
Por meio do site
é possível endossar o pedido de liberação do medicamento à Anvisa.
“Nós defendemos um ponto simples, humano e lógico: que a Anvisa permita que os responsáveis escolham o risco. Hoje, sem o Elevidys, o risco é 100% fatal. Com o Elevidys, existe a chance comprovada de preservar funções motoras, retardar a progressão da doença e aumentar a expectativa e a qualidade de vida”, explica Natália.
Na página, ela conta um pouco da sua história com a doença, que começou muito antes do filho nascer. Em 2012, ela perdeu o irmão devido à DMD, mas, na época, não havia tratamento. “Não pude fazer nada pelo meu irmão, mas ainda posso salvar meu filho. Basta que a Anvisa nos dê esse direito”, suplica.
Em dezembro de 2024, em um processo contra o Ministério da Saúde, Arthur conquistou na Justiça o direito de adquirir o Elevidys. Ele aguardava sua vez para receber o tratamento gratuitamente, mas, com a suspensão da Anvisa, a fila está paralisada.
Em uma corrida contra o tempo, além do abaixo-assinado, a família realiza campanhas e rifas para arrecadar dinheiro para comprar o remédio. Porém, sem a liberação, nenhuma das soluções — judicial ou financeira — poderá ser concretizada. “Queremos que a Anvisa nos permita escolher correr o risco. Hoje, o maior risco é não tratar. Sem o Elevidys, meu filho vai morrer. Com ele, ele pode viver mais e melhor”, reforça a mãe.
Além de Arthur, outras centenas de crianças estão sendo prejudicadas pela decisão. É o caso de Paulo Varela, de João Pessoa (PB), que também garantiu na Justiça, há mais de um ano, o direito de receber o tratamento custeado pelo Governo. Aos 7 anos e 7 meses de idade, ele está próximo à data-limite para a aplicação do medicamento, e a família luta para que a liberação ocorra o quanto antes.
Para a mãe de Paulo, Valesca Emmanuelle Varela, a suspensão do Elevidys é um retrocesso que pode custar a vida do menino. “Todos os dias, meu filho perde músculo, perde vida, perde a chance de viver mais e melhor. Só queremos que aqueles que têm o poder liberem esse recurso para nós”, declara Valesca, desesperada.
A doença
A Distrofia Muscular de Duchenne é uma doença genética neuromuscular e degenerativa que causa fraqueza muscular com piora progressiva. Ela é causada por uma mutação do gene DMD, que é ligado ao cromossomo X e, portanto, geralmente, herdado da mãe.
Diariamente, os pacientes perdem células musculares que nunca mais se regeneram, e a perda da capacidade de andar é certa e iminente, ocorrendo, em média, entre os 10 e 13 anos de idade. Com o passar dos anos, surgem as falências respiratória e cardíaca, levando muitos pacientes a óbito antes dos 30 anos.
A prevalência da DMD é de aproximadamente 1 a cada 3.500 a 5.000 crianças nascidas vivas. A doença afeta predominantemente meninos; no entanto, há raríssimos casos de meninas que também possuem a enfermidade. No Brasil, as estimativas indicam cerca de 700 novos casos registrados por ano.




