OPINIÃO
- * Por Jairo Varella Bianeck
Por muito tempo, famílias pobres com pessoas com deficiência ou idosos em situação de vulnerabilidade enfrentaram um dilema cruel: ao conquistar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), corriam o risco de perder o Bolsa Família. Ou seja, o que se ganhava com uma mão, o governo tomava com a outra.
Isso acontecia porque o valor do BPC era contado como renda da família. Assim, ao ultrapassar o limite previsto pelo programa Bolsa Família, o núcleo familiar era excluído ou tinha o valor do benefício reduzido. Uma distorção que, na prática, punia as famílias que mais precisavam de proteção do Estado.
Com a publicação do Decreto nº 12.534, de 25 de junho de 2025, o Governo Federal alterou o Regulamento do BPC (Decreto nº 6.214/2007), criando uma exceção fundamental e humanitária:
O BPC agora pode ser acumulado com programas de transferência de renda, como o Bolsa Família.
Essa mudança consta no novo art. 5º do regulamento do BPC, que traz a seguinte redação:
“O beneficiário não pode acumular o BPC com outro benefício no âmbito da Seguridade Social […], exceto as transferências de renda de que tratam o art. 6º, parágrafo único, e o art. 203, inciso VI, da Constituição.”
Esses dois dispositivos constitucionais tratam da garantia de renda mínima às famílias em situação de vulnerabilidade. Logo, o BPC não é mais obstáculo para que a família receba o Bolsa Família.
Por que isso é uma exceção justa?
Porque o BPC é uma proteção individual, voltada à pessoa com deficiência ou idosa que não pode prover o próprio sustento, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Já o Bolsa Família é um benefício familiar, que visa proteger a infância, a gestação, a alimentação e o convívio social da família inteira.
Contar o BPC como renda da família era uma distorção perversa, que violava o princípio da dignidade da pessoa humana e gerava exclusões arbitrárias.
A nova redação, portanto, resgata o espírito da Constituição de 1988, que no art. 203, inciso V e VI, estabelece a assistência social como um direito do cidadão e dever do Estado, devendo assegurar um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e a garantia de renda mínima para famílias em situação de pobreza.
A nova regra não é um privilégio, é uma exceção constitucionalmente justificada, fundamentada em princípios de justiça social, equidade e proteção integral.
O Estado brasileiro, ao permitir que o BPC não exclua o Bolsa Família, dá um passo civilizatório.
E que esse passo não seja o último.
* Jairo Varella Bianeck é Advogado Dedicado ao Direito das Pessoas com Deficiência