Brasil evita implantar Avaliação Biopsicossocial da Pessoa com Deficiência

Brasil evita implantar a Avaliação Biopsicossocial da Pessoa com Deficiência

Sem implantação oficial no Brasil, essa abordagem será aplicada em programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) a partir de março de 2026 

Ativistas, senadores e especialistas celebraram nesta segunda-feira (22) o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Durante sessão especial no Plenário do Senado, eles destacaram como um dos maiores desafios a necessidade de regulamentação da avaliação biopsicossocial, considerada essencial para garantir o acesso desse público às políticas públicas. 

Celebrado anualmente em 21 de setembro, o dia de luta foi criado por meio de um projeto de lei (PLS 379/2003) apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), transformado na Lei 11.133, de 2005. Como presidente da sessão especial, ele destacou a data como mais um marco para refletir sobre os desafios que ainda precisam ser superados. Paim afirmou que, mesmo com possível impacto econômico, é preciso investir na unificação da avaliação biopsicossocial, com foco nos avanços que ela trará na vida das pessoas com deficiência. 

— Hoje as esperanças residem na regulamentação da avaliação biopsicossocial. São cerca de 30 políticas públicas que serão impactadas por essa avaliação. 

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI — Lei 13.146, de 2015) já prevê que a avaliação, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multidisciplinar. Esse tipo de avaliação não considera apenas modelos médicos. Nela, a condição de saúde é avaliada em conjunto com o contexto social para identificar como a deficiência afeta a participação plena na vida. A implementação efetiva da norma, porém, enfrenta barreiras. 

O governo tem incentivado a Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, lançada em 2023 para criar um processo de certificação que vá além do foco exclusivamente médico, considerando aspectos psicológicos, ambientais e sociais, além dos biológicos. O objetivo é unificar as diferentes avaliações existentes, simplificando o acesso de pessoas com deficiência às políticas públicas, reduzindo a fragmentação burocrática e garantindo uma caracterização mais justa e abrangente da deficiência. 

Na avaliação dos participantes da sessão especial, o sistema enfrenta desafios na sua implementação e na interpretação, por ainda existir no país uma cultura enraizada que acaba mantendo práticas que insistem em classificar a deficiência a partir de um modelo médico tradicional. 

Para eles, isso acaba gerando desigualdades e estimula disputas e judicializações, criando barreiras adicionais para a execução da política pública. As controvérsias, de acordo com os debatedores, surgem exatamente da necessidade de superar a resistência em abandonar a visão biomédica e de implementar uma infraestrutura de apoio e de garantia de acesso e formação adequados dos profissionais.

O Censo Demográfico 2022 do IBGE indicou que há cerca de 14,4 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, o que representa 7,3% da população com 2 anos ou mais de idade do país. Além disso, foram identificadas 2,4 milhões de pessoas com autismo. 

Políticas públicas

A secretária nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Anna Paula Feminella, alertou para a “dívida histórica” do Estado com as pessoas com deficiência por, ao longo dos anos, não desenvolver e implantar políticas públicas que viessem a promover a inclusão e a acessibilidade. Para ela, é preciso investir em ações que promovam direitos humanos de forma intersetorial, levando conhecimento à população em geral sobre as pessoas com deficiência, combatendo o preconceito que os coloca “apenas como beneficiários de benefícios sociais”, e não como atores nas atividades econômicas. 

— Deficiência não é doença, mas ainda está no imaginário popular. Para muito médico, a gente não é visto como um ser humano, como um indivíduo que tem direitos, mas sim como uma lesão; aquela parte do corpo que nos falta é um comportamento considerado fora do padrão. Então, para a gente superar essa corponormatividade com uma cultura anticapacitista, antidiscriminatória, a gente precisa identificar quem são as pessoas com deficiência (…) Se a gente não fizer isso, a gente estará aumentando as desigualdades, aumentando a pobreza não só de quem tem deficiência, mas das suas famílias, das suas comunidades. A gente estará contribuindo para um sistema de opressão que, muitas vezes, inviabiliza a vida das pessoas. 

Desafios de implementação 

A especialista em políticas públicas e gestão governamental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Liliane Bernardes alertou para a multiplicação de iniciativas parlamentares que reconhecem algumas patologias como deficiência. Segundo ela, cerca de 60 projetos de lei tramitam no Congresso com esse objetivo — o que, na opinião dela, acaba contrariando o conceito da avaliação biopsicossocial, ao gerar fragmentação entre os grupos e sobrecarregando os programas assistenciais. Quando a avaliação é falha, injusta ou burocrática, acaba comprometendo a própria vida das pessoas com deficiência, sua dignidade e sua inclusão social, explicou:

— Esse movimento [o reconhecimento de diversas patologias como deficiência] contraria a abordagem psicossocial e o conceito de deficiência definido na convenção e também na LBI. O resultado são leis que, em vez de promoverem inclusão, geram fragmentação e hierarquia entre grupos. Alguns se tornam mais reconhecidos porque respondem a uma lei específica, enquanto outros permanecem invisíveis  por não terem uma norma para chamar de sua. Uma consequência grave desse tipo de legislação não isonômica é a sobrecarga do sistema de proteção social. Pessoas que têm o mesmo diagnóstico ou com condições distintas, mas que apresentam necessidades muito diferentes de apoio e suporte, acabam recebendo o mesmo tratamento do Estado, o que aprofunda desigualdades.

Contextualização 

Na avaliação dos especialistas, senadores e ativistas, olhar as individualidades das barreiras impostas não apenas pela limitação física, mas considerando o contexto social, é um dos maiores desafios da universalização dessa avaliação. A responsabilidade, segundo eles, é que ela seja um instrumento de “reconhecimento de direitos humanos da pessoa com deficiência, e não de exclusão”.

Essa posição foi endossada por Hisaac Alves de Oliveira, que possui visão subnormal e representa a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Ele falou das barreiras enfrentadas nas atividades mais cotidianas, como a compra de alimentos. 

Fonte: Agência Senado

GRUPO DE TRABALHO

Um Grupo de Trabalho Interministerial, instituído pelo Decreto nº 11.487 de 2023, foi criado com o objetivo de desenvolver uma proposta de avaliação biopsicossocial unificada da deficiência no Brasil. Esse modelo supera a abordagem médica tradicional e avança na compreensão da deficiência como resultado da interação entre a pessoa com impedimentos de longo prazo e barreiras sociais e ambientais. A proposta está em conformidade com os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI).

Relatório Final deste Grupo de Trabalho (GT) apresenta uma metodologia detalhada para implementar a Avaliação Biopsicossocial Unificada, com recomendações que visam garantir um processo inclusivo, acessível e transparente. O Grupo contou com a participação de representantes de diversos ministérios, especialistas convidados e membros da sociedade civil, promovendo debates abertos e transmitidos ao vivo para assegurar transparência e ampla participação social.

Entregue em setembro de 2024 ao Presidente da República, o Governo Federal ainda não determinou a eficácia da implantação em todo o Brasil.

Principais Recomendações do Relatório

  1. Instrumento de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM): O IFBrM foi ratificado como o instrumento oficial para a avaliação biopsicossocial da deficiência. Ele proporciona uma avaliação integral, levando em conta os impedimentos corporais de longo prazo e os fatores pessoais em relação com a presença de barreiras sociais e ambientais que restringem a participação social das pessoas com deficiência.
  2. Estruturação do Sistema Nacional de Avaliação Unificada da Deficiência (SISNADEF): O relatório recomenda a criação do SISNADEF, que será responsável pela gestão e operacionalização do modelo e processos de avaliação em todo o país. Este sistema permitirá a uniformidade nos processos e garantirá uma avaliação mais eficiente e com validade no território nacional.
  3. Formação das Equipes Avaliadoras: O relatório apresenta diretrizes para a formação e habilitação de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, que serão responsáveis pela aplicação do IFBrM. A qualificação desses profissionais de nível superior é essencial para a correta implementação do modelo de avaliação biopsicossocial.
  4. Revisão de Atos Normativos e Propostas Legislativas: Foram identificadas normas e leis que precisam ser revisadas para se alinhar ao novo modelo de avaliação biopsicossocial. Além disso, foram propostas ações para adequar projetos de lei futuros e em tramitação às diretrizes da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão.
  5. Monitoramento e Indicadores: Foram estabelecidos indicadores de monitoramento para avaliar a eficácia e a eficiência do sistema e modelo de avaliação biopsicossocial, permitindo ajustes e melhorias contínuas.
  6. Plano de Comunicação do Sistema: O relatório propõe um plano de comunicação para garantir que as pessoas com deficiência, seus familiares e os profissionais envolvidos estejam informados sobre as mudanças no sistema de avaliação e saibam como acessá-lo de forma simplificada e acessível.
  7. Comitê Gestor Nacional: A criação de um Comitê Gestor Nacional foi recomendada para coordenar, normatizar e monitorar o processo de implementação e desenvolvimento contínuo do SISNADEF.

Projetos-piloto nos estados

  • A Bahia foi pioneira a implementar o modelo-piloto de Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, com alguns municípios, para testar o sistema.
  • O Piauí também participou de formação pioneira para profissionais que atuarão com essa avaliação

Obrigatoriedade no BPC a partir de 2026

  • Com a Resolução nº 630, de 29 de julho de 2025, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que, a partir de março de 2026, todos os benefícios assistenciais concedidos a pessoas com deficiência (incluindo decisões judiciais) exigir terão avaliação biopsicossocial unificada.

CRÉDITO/IMAGEM/LEGENDA: Grupo de Trabalho foi criado ainda na gestão do ex-Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio de Almeida

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