OPINIÃO
- * Por Sandra Lopomo e Rodrigo Rodrigues
O momento da internação hospitalar é um evento desafiador que afeta não apenas o paciente, mas toda a estrutura familiar. A rotina é interrompida, o ambiente muda, e a incerteza paira sobre a cabeça de todos. Nesse período turbulento, que vai desde o hospital até o retorno seguro ao lar, a família e o paciente precisam de um suporte sólido, amparado por direitos que garantem dignidade e autonomia ao longo de toda a jornada do cuidado.
As Unidades de Transição de Cuidados (UTC) são ambientes propícios para o entendimento e aplicação desses direitos, ao representarem uma ponte entre o tratamento agudo e a recuperação pós-aguda, seja por uma incapacidade temporária ou definitiva, ou mesmo em cuidados paliativos. Dentro de cada modalidade de cuidado, a equipe multidisciplinar atua como um guia, sendo fundamental para a orientação, na relação médico-paciente e o acompanhamento da assistente social.
No Brasil, a relação entre o paciente e o sistema de saúde é regulamentada por uma série de leis e normas que buscam proteger a dignidade, a autonomia e a integridade dos indivíduos. A mais completa delas, e que serve como uma verdadeira bússola para pacientes e familiares, é a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, instituída no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009. Essa portaria, que se aplica a toda a rede de saúde, tanto pública quanto privada, condensa e valoriza a informação sobre os direitos e deveres dos pacientes.
Os direitos do paciente: leis que garantem a proteção
Os direitos do paciente se aplicam de forma universal e contínua. São eles:
- O direito à saúde e à continuidade do cuidado: O acesso à saúde, um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988, é detalhado na Lei nº 8.080 de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Isso assegura que o tratamento não pode ser interrompido abruptamente após a fase aguda. O paciente tem direito a um plano de alta bem-organizado, que garanta a transição segura para a próxima etapa da recuperação.
- O direito à informação e à escolha: A Resolução nº 1.931 de 2009 do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece que o médico deve informar o paciente sobre todos os aspectos do seu tratamento. No contexto pós-agudo, isso significa entender as opções de reabilitação e ter voz ativa na decisão sobre o plano de cuidados. O médico e sua equipe devem ser os guias, mas a palavra final é do paciente.
- Proteção legal para os mais vulneráveis: O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741 de 2003) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 1990) asseguram que esses grupos recebam uma atenção integral e específica, incluindo o direito de acompanhantes e a cobertura de dietas especiais, dependendo do caso. Já o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) assegura acessibilidade, vida independente e atendimento integral no sistema de saúde.
Arcabouço jurídico do cuidado pós-agudo
A proteção ao paciente em fase de recuperação pós-aguda está ancorada em um sólido conjunto de normas legais. A Constituição Federal de 1988 é a base, ao reconhecer a saúde como um direito social (artigo 6º) e determinar, em seu artigo 196, que cabe ao Estado garantir acesso universal e igualitário aos serviços de saúde. Esse princípio se materializa na Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), que estrutura o SUS e assegura a continuidade do cuidado, inclusive em modalidades como atenção domiciliar e reabilitação.
Para públicos específicos, como pessoa idosa e pessoa com deficiência, existem garantias adicionais. O Estatuto do Idoso reforça o direito a atendimento domiciliar, reabilitação e acesso facilitado a serviços. Enquanto o Estatuto da Pessoa com Deficiência assegura acessibilidade, vida independente e atendimento integral no sistema de saúde.
No âmbito da prática médica, a Resolução CFM nº 1.995/2012 regulamenta o cuidado domiciliar, reafirmando a continuidade do tratamento. Também o Código de Ética Médica e o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) garantem o direito à informação clara e à transparência nos serviços privados de saúde.
Essas normas se conectam diretamente ao dia a dia das famílias. Pacientes em condição de vulnerabilidade, por exemplo, podem acessar benefícios assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social. Além disso, políticas como a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Portaria MS nº 2.528/2006) reconhecem o papel da família no processo de cuidado, mas deixam claro que cabe ao sistema de saúde oferecer suporte e capacitação para cuidadores informais.
Situações jurídicas específicas
Em casos de fase terminal, a lei prevê procedimentos especiais para garantir a vontade do paciente:
- Casamento Nuncupativo (Código Civil, Artigo 1.540): Permite a união celebrada em caráter de urgência, na iminência da morte, para garantir não somente a vontade do paciente, mas também os direitos sucessórios e previdenciários ao cônjuge sobrevivente. O STJ (2024) já flexibilizou o prazo para registro em casos de pacientes em fase terminal.
- Sucessão em fase terminal (Código Civil, Artigos 1.857 a 1.990): A organização da transmissão de bens, geralmente por testamento, permite segurança jurídica aos herdeiros e evita disputas familiares. Precedentes (TJSC, 2025) validam testamentos feitos por pacientes em estado terminal, reconhecendo sua capacidade de manifestação de vontade.
Conhecer direitos e deveres é essencial
Ao compreender e exercer seus direitos de ser informado e ouvido, o paciente se liberta da passividade e assume as rédeas do seu próprio cuidado. E ao abraçar seus deveres de cooperar, de se comunicar e de se comprometer com o tratamento, ele se torna o principal agente de sua própria jornada.
O sucesso, nesse contexto, não é medido apenas pela melhora clínica, mas pela reconquista da dignidade, da independência e, acima de tudo, da esperança.
- Sandra Lopomo é advogada, Diretora de Gestão de Pessoas, Jurídico e Sustentabilidade. Rodrigo Rodrigues é Diretor de Relacionamento com Mercado e Marketing, ambos da YUNA, instituição especializada em reabilitação e cuidados paliativos.





