Desabafo, por Nani Paiva

Desabafo, por Nani Paiva - OPINIÃO - * Por Nani Paiva

OPINIÃO

  • * Por Nani Paiva

Eu tenho deficiência física severa. Sou pós-graduada e tenho inglês fluente. Só consegui estudar porque minha mãe se aposentou antecipadamente, passando a receber apenas 1/3 do salário, para poder subir os lances de escada comigo no colo.

Na escola, não tinha acesso a mesa que me acomodasse adequadamente, nem a bebedouro, nem a banheiro adaptado.

No meu primeiro emprego, ainda no período de experiência, fui demitida porque a sala era estreita e todos precisavam se levantar e puxar a cadeira para que eu pudesse entrar. Também não havia banheiro acessível, então eu precisava usar o do shopping, o que me fazia gastar 1 hora a mais do meu horário de almoço todos os dias. A justificativa que me deram para a demissão? Que eu era a única pessoa com faculdade.

Na segunda empresa, não respeitavam minhas necessidades fisiológicas específicas, o que me causou piora física irreversível: perdi parte do osso ísquio devido a uma escara tão profunda que atingiu o osso. Como não tenho sensibilidade, a infecção evoluiu para osteomielite, que corroeu o osso. Além disso, desenvolvi um divertículo na bexiga por, repetidamente, ultrapassar o horário do meu procedimento especial de esvaziamento, que leva 40 minutos a cada 3 ou 4 horas.

Eu era a única da área que nunca foi promovida, mesmo sendo a única com a mesma qualificação da minha chefe. Após sete anos como “Administrativo I”, executando as mesmas funções de colegas que eram, no mínimo, analistas, a resposta que recebi foi que eu não era promovida por ser deficiente — e que deveria dar graças a Deus por ter um emprego. Disseram que a cota não prevê promoção. Para pessoas com deficiência perceptível e com muitas necessidades específicas, o emprego só existe por conta da cota.

Já uma funcionária sem deficiência, ao menos perceptível, só porque já estava a quase 1 ano, na área, como era a única sem deficiência e sem promoção, combinaram com todos que mentiram sobre a faculdade dela, já que exigiam faculdade para ser promovido, substituíram no papel, ou seja, fraudaram, a faculdade dela de educação física para economia para ela poder ser promovida. Isso porque estamos falando de uma multinacional!

Neste ano de 2025, descobri que tenho autismo leve. Isso levanta outra questão que deveria ser pesquisada: quantas pessoas com deficiência têm acesso aos testes neuropsicológicos? Seja por não conseguirem se deslocar durante os oito dias necessários, por falta de convênio ou de recursos financeiros, ou ainda pela inexistência de testes em Libras e Braille.


Nani Paiva

  • * Nani Paiva nasceu em São Paulo. Aos dez meses de vida, foi vítima de um atropelamento que a deixou paraplégica. Desde então, construiu uma trajetória marcada pela força, determinação e otimismo. Formou-se em Tradução e Interpretação — Inglês e Português — com pós-graduação em Língua Inglesa. Desde a juventude, cultivou o amor pela leitura e pela escrita, paixões que a acompanham até hoje. É autora de cinco obras publicadas, entre elas os livros infantojuvenis A Chave Mágica e A Chave Mágica 2, além do conto O mundo que dá voltas! e de uma participação no livro coletivo O Livro dos Inícios — contos completos. Com uma história de vida inspiradora, foi reconhecida com dois prêmios literários: um do Ministério da Cultura e outro pelo Concurso PoloPrinter de Literatura. Em 2025, Nani Paiva lançará sua biografia pelo selo editorial PoloBooks, com eventos programados em diversas cidades do estado de São Paulo.

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Uma resposta

  1. Esse é o pontapé inicial rumo ã conscientização das demandas da classe ainda excluída da nossa sociedade É um horror pensar que na nossa história eram eliminados fisicamente. Vamos evoluir contribuindo para um mundo pouco melhor.

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