Segunda causa genética mais comum de cardiopatia congênita, a Síndrome de DiGeorge, também chamada de síndrome da deleção 22q11.2, ainda é pouco reconhecida na prática clínica e é frequentemente subdiagnosticada. A crescente incorporação de testes genéticos, como o array (CMA) ou Painel de Precisão da Síndrome DiGeorge, vem contribuindo para identificar a condição de forma precoce, orientar o acompanhamento multidisciplinar e ampliar o acesso das famílias ao aconselhamento genético e ao planejamento reprodutivo
A Síndrome de DiGeorge tem ganhado mais evidência no cenário médico e social, especialmente por conta do Dia Internacional da Conscientização, celebrado anualmente em 22 de novembro. A iniciativa busca jogar luz sobre uma condição genética causada por uma microdeleção em um fragmento do cromossomo 22, especificamente na região 22q11.2. Apesar de sua relevância epidemiológica, muitos casos ainda passam despercebidos ou são diagnosticados tardiamente, pois pode haver variabilidade dos sinais, o que pode atrasar intervenções fundamentais.
A síndrome faz parte de um grupo de doenças fenotipicamente semelhantes, que inclui a síndrome velocardiofacial (VCFS) e a anomalia conotruncal facial (CTAF). Todas compartilham manifestações que envolvem múltiplos sistemas do corpo, especialmente o coração, o sistema imunológico e estruturas craniofaciais. Não à toa, essas alterações passaram a ser reconhecidas como síndromes de deleção 22q11.2.
Trata-se de um dos distúrbios de microdeleção cromossômica mais frequentes na população, afetando cerca de 1 a cada 4 mil nascidos vivos, segundo publicação do National Institutes of Health (NIH). Ainda assim, permanece pouco conhecida fora dos ambientes especializados. No Brasil e em diversos países, muitas famílias percorrem uma longa jornada até obter uma resposta definitiva para os sintomas apresentados pela criança.
O impacto clínico é extremamente variável. Alguns pacientes apresentam sinais físicos discretos e levam uma vida independente, enquanto outros convivem com severas cardiopatias congênitas, infecções frequentes, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, distúrbios psiquiátricos e dificuldades de aprendizagem. A hipocalcemia (níveis baixos de cálcio no sangue), decorrente da disfunção da glândula paratireoide, é outra manifestação comum.
Essa heterogeneidade reforça o papel central dos testes genéticos na confirmação diagnóstica. Entre as ferramentas disponíveis, o array (CMA) ou o Painel de Precisão da Síndrome DiGeorge, que surge como uma alternativa capaz de analisar genes relacionados à outras condições genéticas semelhantes, apoiando no diagnóstico diferencial. A tecnologia de sequenciamento de nova geração (NGS) utilizada no painel. permite não apenas identificar a microdeleção como também estudar possíveis variantes associadas às manifestações clínicas.
“Quando identificamos a microdeleção 22q11.2 ainda na gestação ou após o nascimento do bebê, por meio de exames como o Painel de Precisão da Síndrome DiGeorge, podemos logo no início iniciar o tratamento com abordagem multidisciplinar, planejar intervenções e preparar a família. Isso aumenta muito a chance de melhor qualidade de vida para a criança”, afirma Larissa Antunes, geneticista da Igenomix Brasil.
O diagnóstico precoce, incluindo o pré-natal, pode ser decisivo no manejo de cardiopatias congênitas, que afetam grande parcela desses pacientes. Um estudo publicado na revista científica Orphanet Journal of Rare Diseases indica que a síndrome é a segunda causa genética mais comum dessas malformações cardíacas, ficando atrás apenas da síndrome de Down.
Além das alterações cardíacas, o comprometimento imunológico decorrente da deficiência na produção de linfócitos T aumenta a suscetibilidade a infecções. Em alguns casos mais graves, há necessidade de transplante de medula óssea para restaurar a imunidade. Por isso, a vigilância constante e o acompanhamento especializado desde os primeiros meses de vida são essenciais para prevenir complicações futuras.
A dimensão neuropsiquiátrica da doença também merece destaque. Muitos indivíduos desenvolvem transtornos como ansiedade, TDAH, depressão e até esquizofrenia na vida adulta. A detecção precoce permite intervenções comportamentais, psicopedagógicas e terapêuticas adequadas, reduzindo o impacto funcional ao longo dos anos.
“Além de orientar o tratamento, o exame auxilia no monitoramento cardíaco, suporte imunológico, suplementação de cálcio e terapias de reabilitação. Também é fundamental para a avaliação de risco de familiares e para refinar a correlação entre a variante genética e manifestações clínicas”, reforça Larissa.
Do ponto de vista genético, cerca de 90% dos casos ocorrem por mutações espontâneas, sem histórico familiar prévio. Os demais seguem padrão autossômico dominante, o que significa que um dos pais portadores da microdeleção pode transmiti-la aos filhos com risco de 50% a cada gestação. Esse dado sustenta a importância do aconselhamento genético após o diagnóstico, tanto para informar a família quanto para embasar decisões reprodutivas.
Os avanços em genética reprodutiva ampliam a capacidade de prevenção secundária: identificar precocemente e agir antes que complicações graves se instalem. Isso inclui desde decisão quanto ao local de parto — imprescindível em casos de cardiopatia complexa — até o planejamento educacional e psicossocial da criança.
À medida que a medicina personalizada avança, o acesso a esse tipo de diagnóstico se torna cada vez mais estratégico. A incorporação de ferramentas como o Painel de Precisão da Síndrome DiGeorge pode encurtar a jornada diagnóstica de famílias que hoje passam por diferentes especialistas até obterem respostas. E, sobretudo, representa uma oportunidade concreta de oferecer tratamento mais assertivo, amparo emocional e melhor prognóstico aos pacientes.
No mês de conscientização, especialistas reforçam que o maior desafio continua sendo reconhecer a síndrome a tempo. A informação divulgada de forma qualificada é um dos principais caminhos para transformar a realidade das pessoas com deleção 22q11.2, garantindo dignidade, cuidado integral e melhor qualidade de vida.






