Rótulos psiquiátricos já foram usados como instrumentos de controle em diferentes períodos da história, sustentando práticas de dominação e falsas interpretações sobre comportamentos humanos
A criação de classificações mentais sempre teve influência de movimentos culturais, econômicos e políticos. Em diversos momentos, estados de sofrimento e comportamentos foram descritos como distúrbios com o intuito de sustentar projetos de poder. Condutas associadas ao desejo de liberdade, à negação de abusos ou à divergência de regras dominaram teorias que ganharam força sem embasamento científico.
Entre esses exemplos está a tentativa de justificar o aprisionamento de pessoas escravizadas, quando a fuga foi tratada como doença. Interesses ligados à exploração do trabalho definiram a suposta condição como sinal de desordem psíquica. A resistência foi convertida em sintoma para legitimar punições e manter o sistema vigente.
“Classificações que surgem para justificar poder anulam singularidades e transformam resistência em sintoma. Quando isso ocorre, a clínica perde sua função original de compreender experiências e promover autonomia”, afirmou a psicóloga Maria Klien.
Houve ainda classificações que serviram a políticas eugenistas ao atribuir transtornos a grupos com maior escolaridade ou posição econômica elevada. A pressão institucional moldou diagnósticos reservados a círculos sociais específicos, criando separações e reforçando preconceitos estruturados.
Mudanças no significado de termos também acompanharam transformações no mundo. O sentimento de perda por afastamento do lar já foi considerado enfermidade. A interpretação de reações emocionais comuns como estados patológicos orientou condutas médicas que desconheciam processos naturais de adaptação.
“Rotular comportamentos sem avaliar condições sociais, relações de abuso ou contextos culturais favorece diagnósticos que servem a interesses externos. A escuta precisa reconhecer o que é expressão legítima de luta por preservação da própria vida”, ressaltou.
Algumas classificações relacionadas à sexualidade buscaram enquadrar condutas que não seguiam padrões da época. Estruturas institucionais legitimaram intervenções que tentavam modificar identidades e orientar escolhas conforme normas impostas pela moral dominante.
Outras teorias se concentraram exclusivamente em mulheres, atribuindo a elas estados que representavam afrontas a expectativas sociais. Questões vinculadas ao corpo feminino se transformaram em explicações para sofrimentos diversos. Suposições filosóficas sustentaram definições aceitas durante séculos, mesmo sem sustentação técnica.
“O estudo da história revela que categorias psiquiátricas podem sustentar exclusões quando usadas como instrumentos de padronização comportamental. A revisão permanente desses conceitos protege direitos humanos e impede novos ciclos de violência simbólica”, concluiu Maria Klien.
A reflexão sobre esse percurso revela que a construção de categorias psiquiátricas exige revisão contínua. Análises críticas de referenciais teóricos impedem a repetição de falhas que produziram injustiças sociais e afastaram a prática clínica de sua função de cuidado.






