Defensor Público Federal André Naves alerta para a urgência de garantir efetividade aos direitos de crianças e adolescentes, especialmente dos mais vulneráveis.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) acaba de completar 35 anos. Sancionado em 1990, promoveu uma mudança histórica na forma como a sociedade brasileira enxerga a infância e a adolescência — de objetos de tutela para sujeitos plenos de direitos; alinhando o país à Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. Para o Defensor Público Federal André Naves, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social, esses 35 anos precisam ser celebrados, certamente; mas são, principalmente, um chamado à reflexão. “Avançamos muito, mas ainda enfrentamos desigualdades profundas que impedem que os direitos previstos em lei se tornem realidade para milhões de crianças e jovens brasileiros, especialmente os mais vulneráveis”, ressalta.
Dentre as principais conquistas promovidas pelo ECA ao longo destas três décadas e meia estão a redução do trabalho infantil nas áreas urbanas; a ampliação da escolarização e obrigatoriedade da matrícula escolar; e o fortalecimento da rede de proteção à infância, com a criação, inclusive, dos Conselhos Tutelares. Além disso, o Estatuto impulsionou a implementação de políticas públicas fundamentais no enfrentamento à violência infantil, como a criação de delegacias especializadas, serviços de escuta protegida e a promulgação da Lei Menino Bernardo (Lei 13.010/2014), que proíbe o uso de castigos físicos.
Os desafios, porém, continuam. Dados recentes mostram que altos índices de violência física, sexual e psicológica ainda atingem crianças e adolescentes em diversas regiões do país, com impacto ainda mais severo sobre jovens negros, indígenas, em situação de rua ou com deficiência.
“A infância brasileira ainda é marcada por grandes desigualdades. A violência policial, o trabalho infantil em áreas rurais, a morosidade no sistema de adoção e a precariedade dos Conselhos Tutelares são problemas que resistem há décadas e que precisamos enfrentar com coragem e prioridade política”, afirma André Naves, que complementa: “A exploração infantil, o abandono, a desigualdade de renda, a desigualdade no acesso à saúde, à educação e à moradia digna ainda fazem parte do cotidiano de milhares de meninas e meninos no país. Além disso, a estrutura de proteção muitas vezes é frágil, com falta de recursos e de profissionais capacitados; e ausência de políticas públicas eficazes — especialmente em municípios menores ou regiões mais carentes”.
Outro ponto crítico destacado pelo Defensor Público é o descompasso entre a legislação e sua efetiva implementação. Segundo ele, embora o Brasil tenha uma das legislações mais avançadas do mundo em proteção infantojuvenil, a ausência de investimento adequado e planejamento intersetorial comprometem a garantia real desses direitos.
“A experiência com a vigência do Estatuto demonstra que ter uma legislação moderna é um passo importante, mas não suficiente. Para que os direitos previstos na lei sejam plenamente garantidos, são necessários: maior vontade política; investimentos públicos efetivos; o engajamento da sociedade civil; e, principalmente, o combate às desigualdades sociais que afetam de forma mais dura as infâncias marginalizadas – sobretudo de crianças negras, pobres ou com deficiência, que enfrentam barreiras estruturais desde o nascimento”, ressalta Naves.
Mesmo após 35 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda precisa ser realmente vivenciado em todas as regiões do país e em todas as classes sociais. Para André Naves, é hora de renovar o pacto nacional em defesa da infância, valorizando os Conselhos Tutelares, ampliando políticas de acolhimento familiar, investindo em educação inclusiva e combatendo todas as formas de preconceito e violência. “A história do Estatuto é a história da infância brasileira. Celebrá-lo é assumir o compromisso com um futuro mais justo, onde toda criança e adolescente tenha a oportunidade de se desenvolver plenamente, com dignidade, proteção e afeto”, destaca.
O Defensor Público faz, no entanto, uma ressalva. A impunidade, segundo ele, precisa ser combatida em todas as situações. “A impunidade gera uma série de violações aos Direitos Humanos, sob vários aspectos. “Quando a gente deixa de punir quem merece punição, a gente abre as portas para a sociedade clamar por soluções mais bárbaras. Crianças e adolescentes também precisam responder por seus delitos, no limite de suas responsabilidades. Se cometeram atos infracionais, precisam, sim, responder por eles. Isso vale para qualquer tipo de crime”, conclui Naves.
Para saber mais sobre o trabalho de André Naves, acesse o site andrenaves.com ou acompanhe pelas redes sociais: andrenaves.def.
Principais avanços do ECA
- Reconhecimento de crianças como sujeitos plenos de direitos
- Redução do trabalho infantil nas áreas urbanas
- Expansão da escolarização e criação do FUNDEB
- Criação dos Conselhos Tutelares
- Rede de combate à violência infantil (delegacias, escuta especializada, Lei Menino Bernardo)
- Sistema socioeducativo com garantias legais (SINASE)
- Adoção mais segura e humanizada
- Acolhimento familiar prioritário
- Maior visibilidade dos direitos da infância na mídia e nas escolas
Obstáculos ainda presentes
- Violência física, sexual e institucional
- Trabalho infantil ilegal em zonas rurais e serviços informais
- Desigualdades raciais e territoriais
- Sistemas socioeducativos com superlotação e falhas de reintegração dos menores na sociedade
- Morosidade e entraves na adoção tardia
- Falta de estrutura em muitos Conselhos Tutelares do país
Marcos históricos do ECA
- 1990: Criação do ECA (Lei 8.069/90)
- 1996: LDB torna obrigatória a matrícula escolar
- 2003: Lançamento do PETI – combate ao trabalho infantil
- 2005: Criação do Cadastro Nacional de Adoção
- 2006: Lei Maria da Penha reconhece crianças como vítimas indiretas
- 2012: Criação do SINASE
- 2014: Lei Menino Bernardo proíbe castigos físicos
- 2016: Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/16)
- 2020: Pandemia escancara desigualdades no acesso à educação
- 2023: CNJ e MP intensificam fiscalização de abrigos e unidades socioeducativas
- 2025: ECA completa 35 anos com reflexões sobre avanços e novos desafios