OPINIÃO
- * Por Eliene Lima
Outubro é um mês dedicado à reflexão sobre os direitos e a valorização da pessoa idosa. Embora a data oficial seja celebrada em 1º de outubro, não podemos restringir essa discussão a um único dia. O envelhecimento populacional brasileiro é uma realidade em ritmo acelerado, e, diante disso, a inclusão dos mais velhos na vida social e profissional precisa ser uma prioridade permanente.
O cenário, porém, ainda está distante do ideal. Segundo levantamento recente, 86% das pessoas com mais de 60 anos já sofreram algum tipo de preconceito no trabalho. Em 2022, cerca de 4 milhões de idosos estavam na informalidade, e 78% das empresas reconhecem barreiras etárias em seus processos seletivos. Esses números não são superficiais; eles traduzem histórias de pessoas que, em vez de reconhecimento, encontram portas fechadas em uma fase da vida que poderia ser de pleno exercício de sua experiência e contribuição.
O etarismo não é apenas uma injustiça individual. Ele corrói as relações sociais, amplia desigualdades e compromete a própria saúde mental dos idosos. O trabalho é, para muitos, mais do que sustento: é identidade, pertencimento, sentido. Negar a possibilidade de envelhecer de forma ativa e produtiva é negar um direito humano básico — o de continuar sendo reconhecido como uma pessoa de valor.
Essa reflexão dialoga com o que desenvolvo em meu livro Pelo olhar de meu pai. Nele, ao explorar a influência da figura paterna na construção da identidade, abro espaço para pensarmos sobre como nossas experiências, em diferentes fases da vida, moldam quem somos. Falo de perdas, medos e superações, mas também de amor, legado e continuidade. A velhice é justamente essa etapa natural em que a soma das experiências deveria ser celebrada, não desprezada. Cada pessoa que envelhece carrega consigo uma história única, e essa bagagem precisa ser entendida como riqueza ao invés de obstáculo.
As empresas que compreendem isso saem na frente. Profissionais mais velhos oferecem resiliência, visão estratégica e equilíbrio. Mais do que isso: podem exercer um papel de mentoria, transmitindo conhecimento às novas gerações. Diversidade etária não é favor — é estratégia inteligente. Organizações que apostam em equipes intergeracionais constroem ambientes mais inovadores e colaborativos.
Muitas vezes, quando falamos de etarismo, pensamos apenas em preconceitos, como a exclusão em processos seletivos. Mas há também dimensões subjetivas, ligadas à forma como a sociedade enxerga e trata os mais velhos. É nesse ponto que a literatura e a psicologia se encontram: ao escrever Pelo olhar de meu pai, percebi que falar de identidade é falar de continuidade. A idade não rompe quem somos, mas amplia nossas camadas de experiência. Ao negar espaço aos idosos, não estamos apenas cometendo uma injustiça, mas desperdiçando narrativas fundamentais para compreender a nós mesmos enquanto coletividade.
Seja nas famílias, nas empresas ou nas políticas públicas, precisamos abandonar a ideia de que o envelhecimento é um problema. Ele é, na verdade, a prova de que a sociedade avança. Valorizar os idosos é valorizar a trajetória de todos nós. Outubro nos lembra dessa urgência, mas a luta contra o etarismo precisa ser permanente.
- Eliene Lima é psicóloga e autora do livro Pelo Olhar do Meu Pai