OPINIÃO
- * Por Igor Lima
O final do ano costuma ser marcado por recessos, férias coletivas e a expectativa social de descanso. Contudo, para muitas pessoas com deficiência, esse período expõe uma contradição: enquanto a sociedade desacelera, as barreiras aumentam e os direitos são relativizados. É justamente nesse contexto que se impõe uma afirmação necessária: o direito ao descanso da pessoa com deficiência é um direito fundamental, protegido pela legislação brasileira, e não pode ser suspenso pelo calendário.
Descanso, saúde e dignidade
A Constituição Federal de 1988 assegura a dignidade da pessoa humana como fundamento da República (art. 1º, III) e reconhece como direitos sociais, entre outros, a saúde e o lazer (art. 6º). O descanso, portanto, não é apenas uma conveniência, mas um elemento essencial para a preservação da saúde física e mental.
No caso das pessoas com deficiência, esse direito ganha contornos ainda mais relevantes. O descanso atua como medida preventiva, evitando o agravamento de condições crônicas, o adoecimento emocional e a sobrecarga decorrente de um cotidiano marcado por barreiras estruturais e atitudinais.
O que diz a Lei Brasileira de Inclusão
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reforça esse entendimento ao garantir que a pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades e à não discriminação (art. 4º).
Além disso, a lei assegura:
“o direito à saúde, em todos os níveis de atenção, por meio do Sistema Único de Saúde, garantido acesso universal e igualitário” (art. 18).
E também protege o direito à participação em atividades de lazer, turismo e vida social, desde que asseguradas condições de acessibilidade e segurança.
Em outras palavras, não há respaldo legal para a suspensão ou precarização desses direitos durante períodos de recesso ou férias.
Quando o cuidado é interrompido
Exemplo hipotético comum no fim do ano:
Uma pessoa com deficiência realiza acompanhamento terapêutico contínuo pelo SUS. Com a chegada do recesso, os atendimentos são suspensos por semanas, sem alternativa de continuidade. O resultado é regressão funcional, dor e perda de autonomia.
Essa situação não configura mero inconveniente administrativo. Trata-se de violação do direito à saúde, pois o cuidado contínuo é condição indispensável para a dignidade da pessoa com deficiência.
Descanso sem acessibilidade não existe
A LBI define acessibilidade como condição para o exercício de direitos (art. 3º) e impõe sua observância em transportes, edificações, serviços e espaços de lazer.
Exemplo hipotético recorrente:
Durante as férias, uma pessoa com deficiência deixa de viajar com a família porque o hotel não possui banheiro acessível ou o transporte turístico não comporta cadeira de rodas. O lazer, que deveria promover descanso, se torna fonte de exclusão.
Quando não há acessibilidade, o direito ao descanso é esvaziado.
Trabalho, recesso e falso descanso
A LBI também garante à pessoa com deficiência condições de trabalho acessíveis e compatíveis com suas necessidades (art. 34).
Exemplo hipotético frequente:
Mesmo em férias ou recesso, um trabalhador com deficiência é constantemente acionado por mensagens e demandas informais, sob o argumento de urgência. Essa prática ignora limites e compromete a saúde mental, configurando desrespeito ao direito ao descanso.
Descansar não é falta de compromisso. É proteção legal.
Barreiras atitudinais no convívio social
A legislação reconhece como barreira atitudinal qualquer comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa com deficiência.
Exemplo cotidiano:
Em encontros familiares de fim de ano, a pessoa com deficiência é desencorajada a participar de passeios “para não dar trabalho”. Ainda que disfarçada de cuidado, essa atitude reforça exclusão e nega autonomia.
Capacitismo também viola direitos.
Quando o direito é respeitado: um exemplo positivo
Boa prática possível:
Uma empresa, ao organizar férias coletivas, garante planejamento prévio, respeito integral ao período de descanso e manutenção de adaptações e apoios necessários. O trabalhador com deficiência retorna ao trabalho com sua saúde preservada e sem prejuízo à autonomia.
Esse exemplo demonstra que cumprir a lei é viável quando há compromisso institucional.
Direitos não entram em recesso
O encerramento do ano não autoriza a suspensão de direitos fundamentais. O descanso da pessoa com deficiência integra o direito à saúde, ao lazer e à dignidade, sendo dever do Estado, dos empregadores e da sociedade assegurá-lo de forma plena.
Enquanto o descanso continuar condicionado à boa vontade ou à adaptação individual, a inclusão permanecerá incompleta.
Direitos não tiram férias.
E dignidade não pode esperar o próximo ano.
É fundamental que gestores públicos, empregadores, famílias e a sociedade reflitam sobre suas práticas neste período. Descanso acessível também é inclusão. Reconhecer isso é o primeiro passo para transformar direitos escritos em realidade vivida.

- Igor Lima é advogado (OAB/RJ), especialista em Direitos Humanos e sustentabilidade, e pessoa com deficiência. Coordenador da coletânea jurídica “Deficiência e os Desafios para uma Sociedade Inclusiva”, citada no STJ, TST, STF e presente em instituições como Harvard e Universidade de Coimbra. Autor de artigos publicados em espaços como ABDConst, Future Law e revistas jurídicas nacionais, atua como palestrante em instituições como UERJ, UFRJ, UFF, OAB/RJ e MPRJ. Dedica-se à pesquisa e defesa dos direitos das pessoas com deficiência, com experiência em inclusão, políticas públicas e ESG.
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