OPINIÃO
- * Por André Naves
Em minha atuação como Defensor Público Federal, diariamente me deparo com a urgência e a complexidade da defesa dos direitos humanos, especialmente daqueles mais vulneráveis. É nesse cenário que o recém-publicado Decreto nº 12.686, de 20 de outubro de 2025, que institui a Política Nacional de Educação Especial Inclusiva (PNEEI), surge como um marco, um farol a iluminar o caminho rumo a uma sociedade verdadeiramente justa.
Embora venha acompanhado de debates e críticas, como toda iniciativa transformadora, sua essência é inegociável: garantir o direito à educação inclusiva para todos.
A inclusão não é uma benesse ou uma concessão; é um direito fundamental. Por muito tempo, nossa sociedade segregou, mesmo que com boas intenções, pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades/superdotação em espaços apartados, sob o pretexto de oferecer um atendimento especializado.
O Decreto 12.686 vem para reverter essa lógica, reafirmando que a educação é um direito universal e subjetivo, pautado na igualdade de oportunidades, na valorização da diversidade humana e no combate intransigente ao capacitismo. Sua proposta é clara: matricular estudantes da educação especial em classes comuns do ensino regular, com os apoios necessários, dos 4 aos 17 anos, garantindo que o ensino seja um espaço de encontro e não de separação.
É natural que uma mudança tão profunda gere apreensão, e as vozes das APAEs e Pestalozzis, que historicamente desempenham um papel vital na vida de milhares de famílias, devem ser ouvidas com atenção e respeito. Suas preocupações são legítimas e refletem um carinho e dedicação profundos. No entanto, é crucial contextualizar. O Decreto não busca deslegitimar ou desmantelar essas entidades. Pelo contrário, ao fortalecer a rede regular de ensino, ele garante um direito fundamental que, apesar de constar em lei, ainda é negado a muitos: o acesso a uma educação inclusiva de qualidade na escola pública.
É necessário ressaltar que o decreto não prejudica as Apaes ou outras entidades, apenas garante o direito do PCD que frequenta a escola pública, um melhor atendimento, obrigando as secretarias a investirem com verbas e equipes competentes.
Essa é a essência: assegurar que o estudante que escolhe a escola pública encontre nela os recursos e o apoio necessários.
Um dos pontos mais debatidos é a capacitação de 80 horas para profissionais de apoio e professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Concordo que 80 horas são apenas um ponto de partida. Quem vive a realidade da educação sabe que a ausência total de acompanhamento é, infelizmente, a norma em muitos locais. As 80 horas, portanto, representam um mínimo, um primeiro passo essencial para suprir uma lacuna gritante. Mas o Decreto vai além, estabelecendo a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva com o objetivo de ampliar a formação continuada e fortalecer ações intersetoriais.
Cabe, sim, às secretarias de educação municipais e estaduais o compromisso irrestrito de desenvolver e manter projetos de capacitação contínua, nos horários complementares e em articulação com as necessidades de cada estudante. A capacitação deve ser ampla, perene, e incluir o uso de tecnologias assistivas, para atender à vasta diversidade de necessidades dos nossos estudantes.
É fundamental compreender que inclusão não é sinônimo de “matricular e ignorar”. O Decreto estrutura um sistema robusto de apoio. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) será baseado em estudos de caso intersetoriais, com caráter complementar ou suplementar, integrado ao projeto político-pedagógico da escola e com forte participação familiar.
O Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), documento obrigatório e individual, orientará o trabalho, articulando ações na sala comum e no AEE, prevendo o uso de tecnologia assistiva. Importante ressaltar que o AEE e o profissional de apoio não dependerão de laudos médicos, mas sim das necessidades pedagógicas identificadas. E, para aqueles casos excepcionais, o AEE poderá ocorrer em Centros de AEE públicos ou conveniados, desde que devidamente credenciados, reforçando a flexibilidade do sistema, mas sempre com a matrícula na classe comum como base.
A implementação dessa política exigirá uma colaboração sem precedentes entre União, Estados e Municípios. A União, como previsto, apoiará com repasse de recursos, bolsas, formação de profissionais e gestores, material didático adaptado, e a criação de um Observatório da Educação Especial Inclusiva. Este é um investimento na nossa humanidade, no futuro de crianças e jovens que anseiam por seu lugar pleno na sociedade.
Como Defensor Público, convido a todos a transcender a polarização política que tanto nos cega. É vital que olhemos para este Decreto com objetividade e, acima de tudo, com sensibilidade para a causa que ele representa. Sim, existem pontos que precisam ser aprimorados e a implementação será um desafio contínuo. Mas o diálogo genuíno, a escuta ativa e a vontade política de construir um país mais justo são as ferramentas para superar esses obstáculos.
O direito das famílias à escolha é sagrado, mas essa escolha deve ocorrer dentro de um sistema que, primeiramente, garanta a inclusão como regra, com todo o apoio necessário.
A realização de uma sociedade Inclusiva está mais próxima do que imaginamos. Este Decreto é um passo corajoso e necessário nessa construção. É um grito de esperança, uma declaração de que cada vida importa, que cada potencial deve ser cultivado. Que possamos, juntos, abraçar essa política com responsabilidade, compromisso e, acima de tudo, com o coração aberto para construir um Brasil onde a diversidade seja celebrada e a educação, um direito real para todos.
Não deixemos que o medo do novo nos impeça de concretizar a Justiça Social que tanto buscamos.
- André Naves é Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
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