OPINIÃO
- * Por André Naves
No coração do Brasil, onde a diversidade deveria ser nossa maior riqueza, trava-se um debate silencioso, mas de imensa importância: a proposta de um novo “Código Brasileiro de Inclusão”. Para quem observa de longe, pode parecer um avanço. Contudo, para quem vive a luta diária pelos direitos das pessoas com deficiência, o som é de alarme. E com razão. Como diz a sabedoria do povo, “gato escaldado tem medo de água fria”.
Essa desconfiança não nasce do nada. Ela é filha de uma longa história de promessas quebradas e direitos conquistados a duras penas, que muitas vezes permanecem como letra morta no papel. A comunidade de pessoas com deficiência, um dos grupos mais sistematicamente marginalizados em nossa nação, sabe bem o que é ter um direito reconhecido na lei e negado na porta da repartição, na rampa inexistente, na vaga de emprego que nunca chega.
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), a Lei nº 13.146/2015, não é uma lei qualquer. Ela foi uma colheita, fruto de décadas de semeadura, de luta e de suor. É um estatuto moderno, alinhado com os mais elevados tratados internacionais de Direitos Humanos, como a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A LBI não é o problema. O problema é a distância abissal entre o Brasil que ela descreve e o Brasil que encontramos todos os dias.
A verdadeira urgência não está em reescrever um mapa, mas em ter a coragem de seguir o que já temos. A LBI é essa bússola moral que nos aponta o Norte. Discutir um novo “Código” agora gera o risco de nos desviar do essencial, de gastar uma energia preciosa em debates legislativos infindáveis, enquanto a vida real clama por ações concretas. É como discutir a planta de uma nova casa enquanto a nossa família está ao relento, precisando que o telhado atual seja consertado.
O que precisamos, de fato, é fazer a LBI acontecer. E isso exige mais do que tinta e papel. Exige o compromisso do Estado em fiscalizar, em alocar orçamento e em educar a sociedade. Exige que a semente da lei encontre terra fértil na consciência de cada cidadão, de cada gestor público, de cada empresário.
A inclusão não é uma concessão. É o alicerce de uma sociedade que se pretende justa. Ela se constrói no acesso à educação e à saúde de qualidade, que despertam as potencialidades que dormem em cada um de nós. Ela se firma no trabalho e no empreendedorismo, que são as chaves para a autonomia e para a dignidade que a alma humana tanto anseia.
A Lei Brasileira de Inclusão é o nosso arado. Agora, é tempo de fincá-lo fundo na terra da indiferença. É tempo de regar, com persistência e esperança, o sonho de um Brasil onde a dignidade não seja uma exceção, mas a regra. Um Brasil onde todos caibam, e onde ninguém, absolutamente ninguém, fique para trás no caminho.

* André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador cultural, escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).