OPINIÃO
- * Por Carmem Lilian Calvo Bosquê
O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, celebrado em 3 de dezembro, reforça a importância de observarmos com atenção o cenário atual de inclusão no país. A data chama a sociedade a reconhecer avanços, mas também evidencia que ainda existe um longo caminho para que a legislação seja plenamente aplicada e para que a participação da pessoa com deficiência se torne uma realidade cotidiana no mercado de trabalho.
Os dados mais recentes confirmam essa distância entre o potencial de inclusão e o que de fato ocorre nas organizações. Informações do eSocial mostram que, entre janeiro e junho de 2025, houve 63.328 contratações de pessoas com deficiência ou reabilitadas pela Previdência Social. O número revela movimento positivo, embora ainda limitado quando comparado ao total de trabalhadores formais no país.
Atualmente, o mercado registra 634.650 profissionais com deficiência ou reabilitados em postos formais. Grande parte dessas contratações ocorre em empresas obrigadas pela Lei de Cotas, que respondem por 93,58% dessas admissões. Mesmo assim, mais da metade dos postos reservados não é preenchida, o que demonstra que a legislação segue subutilizada.
O Censo 2022, em conjunto com informações do Ministério do Desenvolvimento Social, revela outro ponto essencial. Existem 7,3 milhões de pessoas com deficiência ou autismo em idade produtiva que não recebem benefício assistencial. É uma parcela significativa da população que poderia ocupar, com folga, todas as vagas previstas na legislação.
Ao observarmos a evolução histórica, percebemos sinais de progresso. Entre 2009 e 2021, a presença da pessoa com deficiência no mercado de trabalho cresceu em ritmo superior ao da média geral. Ainda assim, o avanço não acompanhou a necessidade das organizações e tampouco refletiu a diversidade do país. A combinação de capacitismo e desigualdade estrutural continua restringindo oportunidades.
Do ponto de vista jurídico, o Brasil desenvolveu um arcabouço sólido e progressivamente estruturado para assegurar a inclusão. A Constituição Federal estabelece a proteção social da pessoa com deficiência como um dever do Estado e inaugura os princípios que orientam todas as políticas públicas posteriores. A Lei Brasileira de Inclusão aprofunda esse compromisso ao reunir, em texto único, garantias relacionadas à acessibilidade física e digital, educação inclusiva, saúde integral, participação comunitária e inserção no trabalho. A norma também estabelece critérios objetivos para adaptações razoáveis, responsabilização em casos de discriminação e diretrizes para o desenho universal.
A Lei de Cotas, que segue como um dos instrumentos mais efetivos de inclusão laboral, determina que empresas com mais de 100 empregados reservem entre 2 e 5 por cento de suas vagas para pessoas com deficiência. Quando aplicada integralmente, a legislação é capaz de criar mais de 964 mil postos de trabalho formais. No entanto, apenas 54 por cento dessas vagas estão ocupadas hoje, apesar de mais de 93 por cento das empresas obrigadas manterem algum nível de cumprimento. Esse contraste evidencia o quanto o potencial da lei ainda está distante de sua plena execução.
O desafio, portanto, não está no texto legal. Ele se manifesta na execução diária dessas normas, que depende de ambientes acessíveis, processos seletivos preparados, infraestrutura adequada e uma mudança de postura dentro das organizações. A legislação oferece os caminhos. Cabe ao poder público, às empresas e à sociedade transformar esses instrumentos em políticas permanentes.
Há avanços consistentes, mas eles ainda não chegam de maneira uniforme para quem precisa. A construção de um país mais inclusivo passa pela valorização do trabalho, pela eliminação de barreiras e pela responsabilidade compartilhada em garantir que as garantias legais se tornem direitos vividos e exercidos.

*Carmem Lilian Calvo Bosquê é advogada e sócia do Bosquê & Grieco Advogados




