Estatuto da Criança e do Adolescente é, ao mesmo tempo, estrutura jurídica e norte para os novos desafios sociais, digitais e ambientais para as infâncias e adolescências
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou este mês 35 anos, uma das legislações mais importantes da história do país. Para o Instituto Alana, que atua na promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes, o ECA é mais do que um marco legal: trata-se de uma conquista da democracia brasileira e um instrumento vivo para garantir os direitos desse público e enfrentar os desafios do presente.
“O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma legislação atual, indispensável e estratégica para a efetivação dos direitos de todas as crianças e adolescentes. Mais do que base, o ECA é uma bússola. Porque a base é o alicerce, mas a bússola aponta o caminho para a frente, inclusive em temas contemporâneos como a crise climática, a Internet e a manutenção da paz”, afirma Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos da Criança do Instituto Alana.
Aprovado em 1990, dois anos após a Constituição Federal estabelecer, no Artigo 227, a “absoluta prioridade” dos direitos de crianças e adolescentes, o ECA consolidou a doutrina da proteção integral, inaugurando uma nova era para a proteção desse público no país. A criação do ECA antecedeu, inclusive, a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, destacando o vanguardismo do Brasil nessa agenda global.
O Estatuto representou uma ruptura com a lógica tutelar anterior e reconheceu crianças e adolescentes como sujeitos plenos de direitos — com dignidade e protagonismo — e sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, em um país ainda em processo de redemocratização.
“A aprovação do ECA foi fruto de uma poderosa articulação da sociedade civil e da mobilização popular. Essa legislação não apenas reconheceu direitos, como impulsionou políticas públicas descentralizadas e intersetoriais, além de inspirar legislações mundo afora. Foi, sem dúvida, uma grande conquista da democracia”, reforça Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana.
Três décadas e meia depois, o ECA continua sendo um importante instrumento para garantir avanços e enfrentar retrocessos na proteção de crianças e adolescentes. É a principal base jurídica para reforçar direitos em questões contemporâneas que envolvem infâncias e adolescências, em temas como diversidade, deveres de proteção das plataformas digitais e justiça socioambiental.
“O ECA nos dá base jurídica para atuar em pautas ainda incipientes em 1990, como os direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital, a proteção de dados e a justiça climática. É amparado nesta legislação que atuamos como amigo da corte no Supremo Tribunal Federal e na construção de políticas sociais e judiciais que coloquem as infâncias e adolescências em primeiro lugar”, afirma Mariana Zan, advogada do Instituto Alana.
Apesar dos avanços, inúmeros desafios persistem, como a violência contra as crianças e adolescentes, o racismo estrutural e a insuficiência de investimentos compatíveis com a regra constitucional da prioridade absoluta, colocando em risco direitos conquistados. Em maio deste ano, durante o processo de revisão do Brasil, que ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, o Comitê dos Direitos da Criança cobrou do país medidas concretas para garantir que crianças e adolescentes estejam, de fato, no centro das decisões políticas e orçamentárias.
As recomendações da ONU reforçam a urgência de reafirmar o ECA como compromisso de Estado e de toda a sociedade. “Não basta celebrar a legislação. É preciso defendê-la e aplicá-la com coragem e consistência. Cada criança negligenciada é uma quebra do pacto constitucional que o Brasil assumiu. Por isso, comemorar o aniversário do Estatuto é, sobretudo, um chamado à ação. Precisamos reafirmar o compromisso coletivo com as infâncias e as adolescências porque o Brasil que sonhamos começa por elas. Defender o ECA é defender um país mais justo, mais humano e mais democrático”, conclui Hartung.