OPINIÃO
- * Por Jairo Varella Bianeck
Introdução
Durante décadas, pessoas com deficiência auditiva foram injustamente excluídas dos benefícios fiscais garantidos às demais deficiências. Isso começou a mudar com a Lei nº 14.287/2021, que alterou a Lei nº 8.989/1995 e estendeu à comunidade surda o direito à isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) na aquisição de veículo novo.
Este artigo apresenta, de forma clara e juridicamente fundamentada, quem tem direito, quais os requisitos, como solicitar o benefício e os riscos impostos pela Reforma Tributária.
Base legal da isenção de IPI
A Lei nº 8.989/1995, alterada pela Lei nº 14.287/2021, dispõe:
Art. 1º, IV – A isenção do IPI aplica-se à aquisição de automóveis por pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda, e por pessoas com transtorno do espectro autista.
Art. 9º – O benefício é válido até 31 de dezembro de 2026.
O limite máximo do valor do veículo com isenção é de R$ 200.000,00, já incluídos os tributos (art. 1º, §7º).
Quem é considerado pessoa com deficiência auditiva?
Segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), é pessoa com deficiência quem possui impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, restringe sua participação plena e efetiva na sociedade.
A Lei nº 14.768/2023 complementa essa definição ao trazer critérios técnicos mais objetivos para deficiência auditiva, reconhecendo:
- Perda bilateral ≥ 41 dB em frequências de 500 Hz a 4000 Hz; ou
- Surdez unilateral total (anacusia), desde que haja barreiras funcionais relevantes.
Essas leis, combinadas, formam o alicerce para reconhecimento jurídico da deficiência auditiva e garantem respaldo ao pedido de isenção.
Laudo médico obrigatório: critérios legais
Para solicitar a isenção de IPI, a Receita Federal exige o laudo no modelo oficial previsto no Anexo Único da Instrução Normativa RFB nº 2.081/2022.
Esse laudo deve:
- Ser preenchido por dois médicos otorrinolaringologistas com CRM ativo;
Conter:
- Descrição clínica da perda auditiva;
- Indicação do CID correspondente;
- Declaração de que se trata de impedimento de longo prazo;
- Avaliação da funcionalidade auditiva conforme critérios da OMS;
Ser emitido por:
- Entidade vinculada ao SUS;
- Clínica conveniada ao SUS;
- Entidade credenciada ao DETRAN;
- Serviço social autônomo (ex: SENAI, SESI, SESC etc.).
Baixar modelo oficial da Receita Federal (PDF)
Requisitos do veículo
- O carro deve ser novo;
- O valor total, com tributos, não pode ultrapassar R$ 200.000,00;
- O prazo para nova aquisição com isenção é de 3 anos (reduzido em relação aos 4 anos anteriores).
CNH especial é obrigatória?
Não. Para a deficiência auditiva, não há exigência legal de CNH especial, salvo em casos específicos em que houver recomendação médica para adaptação veicular. Essa exigência, imposta por alguns DETRANs, não compromete a análise da Receita Federal.
Reforma Tributária e o risco de retrocesso
Com a aprovação da Reforma Tributária (EC 132/2023) e da Lei Complementar nº 214/2025, houve significativa alteração na política de benefícios fiscais:
- O IPI será extinto e substituído por CBS e IBS;
- A LC 214/2025 impôs um novo teto de R$ 70 mil para isenção parcial;
- Passou a restringir o benefício a veículos adaptados, excluindo pessoas com deficiência auditiva que não utilizem adaptação;
- Aumentou o intervalo entre aquisições para 4 anos.
Essas mudanças representam grave ameaça a direitos já consolidados.
Em resposta aos retrocessos da LC 214/2025, tramita o PLP 81/2025, que propõe:
- Restabelecer o teto de isenção parcial para R$ 140 mil;
- Garantir a isenção a todas as PcDs, independentemente de adaptação veicular;
- Manter o prazo de troca de veículo em 3 anos.
O projeto já recebeu parecer favorável na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e aguarda análise na Comissão de Finanças e Tributação.
Mobilização da ANAPcD e da sociedade civil
A Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência (ANAPcD) lidera a mobilização em defesa dos direitos ameaçados pela reforma:
- Pressiona o Congresso Nacional para aprovação do PLP 81/2025;
- Atua tecnicamente contra dispositivos discriminatórios da LC 214/2025;
- Denuncia os retrocessos em veículos especializados como o DiárioPCD.
E se o pedido for negado?
Caso a Receita Federal indefira o pedido:
1. Apresente recurso administrativo fundamentado, com base nas leis mencionadas;
2. Se persistir a ilegalidade, é possível impetrar Mandado de Segurança, especialmente quando os laudos estão regulares.
Conclusão
A isenção de IPI para pessoas com deficiência auditiva está garantida até 31/12/2026, com respaldo na legislação federal. No entanto, a Reforma Tributária representa ameaça real à continuidade desse direito.
É fundamental apoiar o PLP 81/2025 e fiscalizar a atuação dos entes públicos na efetivação dos direitos das pessoas com deficiência. A luta por justiça fiscal também é luta por cidadania e dignidade.
Referências jurídicas:
Lei nº 8.989/1995 – Isenção de IPI
Lei nº 14.287/2021 – Inclusão da deficiência auditiva
Lei nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência
Lei nº 14.768/2023 – Critérios técnicos para deficiência auditiva
IN RFB nº 2.081/2022 – Receita Federal
LC nº 214/2025 – Reforma Tributária
PLP 81/2025 – Tramitação oficial
- * Jairo Varella Bianeck é Advogado Dedicado ao Direito das Pessoas com Deficiência