Livros infantis podem ensinar adultos sobre inclusão e diversidade no ambiente corporativo

Livros infantis podem ensinar adultos sobre inclusão e diversidade no ambiente corporativo OPINIÃO - * Por Judá Nunes

OPINIÃO

  • * Por Judá Nunes

A leitura de livros infantis no ambiente corporativo traz uma enorme potência para disseminar os conceitos de inclusão e diversidade. Essas obras são parte da metodologia que desenvolvi para abordar essas temáticas dentro das empresas. Com narrativas aparentemente simples, podemos criar um espaço de escuta e reflexão que conecta afeto e estratégia, permitindo que se tornem acessíveis e, sobretudo, transformadores no cotidiano das organizações.

Histórias como Minha sombra é rosa, de Scott Stuart, Dias felizes, de Bernat Cormand, e Fala baixinho, de Janaina Tokitaka, ajudam a repensar pertencimento, planejamento de carreira e comunicação inclusiva de forma prática e emocionalmente conectada.

Essa abordagem nasceu da recusa a modelos genéricos de consultoria em diversidade, que pouco dialogavam com a realidade das pessoas e das empresas. Em vez de manuais prontos, desenvolvi jornadas autorais de aprendizagem, que unem comportamento, cultura e compromisso. Hoje, além de consultora e palestrante, atuo como mentora de carreira e negócios para pessoas LGBTI+, sempre com a convicção de que a inclusão não é apenas um processo de gestão, mas uma transformação cultural profunda – como o aumento da objetividade e da percepção de progresso das pautas de diversidade.

A minha relação com a educação começou muito antes da licenciatura em Teatro. Fui criada por mulheres professoras – entre elas, minha avó, que alfabetizou adultos no interior da Bahia nos anos 1980. Cresci cercada de livros, conversas sobre educação e a crença de que aprender é uma das formas mais potentes de emancipação. Esse ponto de partida moldou não apenas minha formação, mas também a forma como enxergo a vida, o trabalho e, hoje, os futuros possíveis.

Na universidade, uni a prática artística ao trabalho social em projetos com pessoas idosas, e depois como professora em comunidades quilombolas e indígenas no sudoeste baiano. Mais tarde, encontrei nos Estudos de Futuros um lugar de reconhecimento: uma forma de conectar minha trajetória à minha identidade, investigando como pensar e construir futuros possíveis para pessoas LGBTI+ que vivem nas intersecções das desigualdades.

Essa busca – aliada à falta de oportunidade no mercado de trabalho formal – me levou, desde 2022, a atuar como consultora de Gestão para a Inclusão da Diversidade. Recusei manuais genéricos e modelos replicáveis para criar minhas próprias jornadas de aprendizagem – que unem comportamento, cultura e compromisso com design thinking. Como mentora de carreira e negócios para pessoas LGBTI+ e palestrante sobre diversidade no mundo do trabalho, busco abrir caminhos que não sejam apenas para mim, mas para tantas outras pessoas que desejam existir com dignidade, potência e afeto.

Foi nesse percurso que os livros se tornaram chave de transformação. Passei a desenvolver palestras que partem de narrativas infantis para sensibilizar o público adulto sobre inclusão e diversidade. Embora dirigidas a adultos, essas palestras partem da literatura infantil justamente porque ela baixa as defesas, toca os sentimentos e, a partir daí, provoca mudanças reais. Quando articuladas a dados, tendências de gestão e aos ganhos concretos para a cultura organizacional, essas narrativas se tornam uma ferramenta estratégica poderosa para repensar comportamentos, abrir espaço para a escuta e cultivar um cotidiano mais inclusivo.

Essa experiência também dialoga com um movimento mais amplo que tenho observado: a ascensão da microaprendizagem e da microleitura, impulsionadas pelos novos hábitos digitais. Palestras mais curtas, pílulas de conteúdo em newsletters ou vídeos rápidos se integram ao dia a dia das pessoas e fazem com que o aprendizado seja constante, acessível e transversal. Trata-se de um deslocamento importante: se antes o conhecimento ficava restrito a setores específicos, hoje deveria estar no fluxo cotidiano do trabalho e da vida, promovendo transformação no detalhe, no encontro breve, na palavra que toca.

Vivemos, no entanto, um paradoxo. Ao mesmo tempo em que testemunhamos retrocessos nas políticas de diversidade e inclusão em algumas empresas, vemos também resistência e inovação em outras. Há quem recue por pressões externas ou incompreensão, mas há também quem insista em reconhecer o valor estratégico da diversidade para inovar, atrair talentos e fortalecer culturas organizacionais. Na literatura e na academia, essa resistência se faz ainda mais presente: pesquisadores LGBTI+ vêm reformulando protocolos de saúde, reconhecendo arranjos familiares diversos e questionando lógicas cisheteronormativas; escritores e escritoras LGBTQIAP+ têm expandido a produção literária em diferentes gêneros e formatos, das autoficções à literatura sáfica, passando por livros infantis que naturalizam as diferenças desde cedo.

Acredito que a literatura, a pesquisa e a educação continuam sendo territórios de invenção – não apenas de resistência. São espaços que nos permitem imaginar outras formas de vida, outros modos de amar, de trabalhar, de conviver. Não se trata apenas de reagir ao conservadorismo, mas de propor alternativas para existir com dignidade. Em cada sala de aula, em cada palestra, em cada página escrita ou lida, seguimos afirmando: futuros só existem quando todas as pessoas podem se ver neles.

  • * JUDÁ NUNES é licenciada em Teatro pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Educação para Inclusão da Diversidade, reconhecida como LinkedIn Top Voices Orgulho, tem atuado como educadora, gestora de projetos, consultora, escritora e palestrante; a especialista se destaca como mentora de um novo tempo, oferecendo insights sobre a dinâmica da diversidade no século XXI. Desde 2016, atua com educação transformativa e desenvolve uma metodologia para a formação de executivos com foco em Impacto social. 

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