O Brasil amplia a proteção jurídica a pessoas com deficiência. A partir de agora, o Ministério Público deve agir de ofício em casos de fraude, mesmo sem denúncia da vítima.
- * Por Jairo Varella Bianeck
Um novo passo na inclusão penal
O Brasil deu mais um passo decisivo na consolidação dos direitos das pessoas com deficiência. Foi sancionada a Lei nº 15.229/2025, que modifica o Código Penal e determina que o crime de estelionato praticado contra pessoa com deficiência será processado por ação penal pública incondicionada — ou seja, sem necessidade de que a vítima apresente denúncia.
A medida tem impacto direto na forma como o Estado lida com a vulnerabilidade. A partir de agora, o Ministério Público passa a ter o dever legal de propor ação penal sempre que houver indícios de crime, mesmo que a vítima prefira não se manifestar.
Proteção ampliada
Antes dessa mudança, o Código Penal só permitia a ação penal automática em casos específicos — como quando o estelionato era cometido contra a administração pública, menores de 18 anos, maiores de 70, pessoas incapazes ou com deficiência mental.
A nova lei amplia esse alcance e inclui todas as pessoas com deficiência, sejam físicas, intelectuais, mentais ou sensoriais. Essa alteração, embora simples em sua redação, representa um avanço profundo: o Estado reconhece que a deficiência, em qualquer forma, pode expor o cidadão a riscos maiores de fraude, exigindo resposta penal mais rápida e efetiva.
Da proposta à sanção
A iniciativa nasceu no Senado, a partir do projeto apresentado pela senadora Damares Alves (Republicanos–DF), e foi aprovada por unanimidade nas duas Casas do Congresso.
Na Câmara dos Deputados, a relatoria ficou com a deputada Laura Carneiro (PSD–RJ), que defendeu a importância da nova norma como instrumento de justiça social.
“Todos os tipos de deficiência podem tornar a vítima mais suscetível a ser enganada ou mantida em erro. Essa vulnerabilidade exige do Estado uma proteção mais rigorosa”, afirmou durante a votação.
O texto foi sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2 de outubro de 2025 e entrou em vigor imediatamente, sem necessidade de regulamentação adicional.
Justiça que alcança a todos
A nova legislação reforça princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade de todos perante a lei. Também está em sintonia com as políticas de inclusão que o país vem consolidando nas últimas décadas.
Mais do que uma mudança penal, a norma é um gesto de reconhecimento: ninguém deve ser privado de proteção ou acesso à justiça por causa de sua deficiência.
Ao garantir que o Ministério Público aja de forma automática, o Estado elimina uma barreira invisível que, por muito tempo, impediu que vítimas vulneráveis tivessem seus direitos efetivamente protegidos.
Inclusão e cidadania
Em tempos de fraudes digitais e golpes cada vez mais sofisticados, pessoas com deficiência — especialmente aquelas que dependem de terceiros para transações financeiras ou comunicações — estão entre as mais expostas.
Ao transferir a iniciativa da ação penal para o Estado, a nova lei retira da vítima o peso de denunciar e assegura que o crime seja investigado independentemente da manifestação pessoal.
Essa mudança é, ao mesmo tempo, um ato de inclusão e um avanço civilizatório: reconhece a autonomia e o valor da pessoa com deficiência, sem ignorar as barreiras que ela enfrenta no dia a dia.
Um gesto de cidadania
Mais do que um ajuste técnico, a nova lei representa um marco na proteção das pessoas com deficiência.
Ela reafirma o compromisso do Brasil com uma justiça que enxerga as diferenças para garantir igualdade real.
Ao transformar o estelionato contra pessoas com deficiência em crime de ação penal pública incondicionada, o país declara que a dignidade humana é um valor inegociável — e que nenhuma barreira, física ou social, deve impedir alguém de ver a lei agir em sua defesa.
“Uma sociedade se mede não apenas pela forma como pune o crime, mas pela maneira como protege os que mais precisam de justiça.”
- * Jairo Varella Bianeck é Advogado, Militante do campo progressista e Defensor dos direitos das pessoas com deficiência