OPINIÃO
- * Por André Naves
No debate público brasileiro, estamos acostumados a ouvir que nossa contabilidade não fecha. Nela, direitos são tratados como “custos” e políticas de inclusão como “gastos”. Mas essa planilha está invertida. Caro, de verdade, é o preço que pagamos, como Nação, pela exclusão e pelo capacitismo.
O capacitismo — a discriminação estrutural contra pessoas com deficiência — não é apenas uma violação de direitos humanos; é uma masmorra que prende o nosso desenvolvimento. A pergunta correta, portanto, não é “quanto custa incluir?”, mas sim “quanto o Brasil perde, todos os dias, por insistir em excluir?”.
A resposta é chocante e está documentada.
Organismos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimam que a exclusão de pessoas com deficiência do mercado de trabalho pode custar aos países até 7% de seu Produto Interno Bruto (PIB). Para o Brasil, isso representa uma perda anual de centenas de bilhões de reais. Não estamos falando de uma abstração, mas de uma riqueza concreta que deixamos de produzir.
Dados do IBGE mostram que apenas 34,3% das pessoas com deficiência em idade de trabalhar têm um emprego formal. Onde está o restante desse potencial humano? Subutilizado, desperdiçado por um mercado que ainda opera na lógica da inclusão performática, e não da transformação real.
A Lei de Cotas (8.213/91) foi um avanço inegável, mas a realidade para além da contratação revela as camadas mais profundas do capacitismo estrutural: ambientes de trabalho inacessíveis, falta de planos de carreira, preconceito velado e a infantilização de profissionais plenamente capazes. O resultado é um ciclo de baixa permanência e frustração, onde a pessoa com deficiência é vista como um número a ser cumprido, e não como o talento que é.
Este prejuízo se espalha por toda a sociedade. A educação, que deveria ser a porta de entrada para a cidadania, ainda segrega. A saúde, que deveria garantir qualidade de vida, muitas vezes impõe barreiras. Nossas cidades, com seu planejamento hostil, transformam o ato de ir e vir em uma maratona diária de obstáculos.
Cada uma dessas barreiras tem um custo: para a saúde pública, que arca com as consequências da falta de prevenção e autonomia; para a previdência, sobrecarregada por uma dependência que poderia ser autonomia; e para a economia, que perde consumidores, inovadores e contribuintes.
Os Movimentos Sociais, que são os verdadeiros especialistas em suas próprias vidas, testemunham a face humana dessa perda. Não são estatísticas; são histórias de engenheiros, artistas, cientistas e empreendedores cujo potencial é sistematicamente barrado. A luta das Pessoas com Deficiência não é por caridade ou favor, mas pelo direito fundamental de participar e contribuir.
É por isso que precisamos mudar a lente. A efetivação de direitos para pessoas com deficiência não é um “gasto social”, mas um investimento estratégico com altíssimo retorno. Cada real investido em acessibilidade, tecnologia assistiva e educação inclusiva se multiplica em produtividade, inovação e fortalecimento do mercado interno.
Uma sociedade inclusiva é, por definição, uma sociedade mais próspera e resiliente.
A verdadeira responsabilidade fiscal e social é desmantelar as estruturas do capacitismo. Significa criar políticas públicas com a participação ativa de quem vive a realidade da deficiência. Significa cobrar do setor privado uma inclusão que vá além da fachada. Significa, enfim, entender que o maior ativo de um país é seu povo, em toda a sua diversidade.
A dignidade e o potencial de cada pessoa com deficiência são a Luz que não se vê nas planilhas frias, mas que se enxerga no futuro de um país que finalmente escolhe ser mais justo e, por consequência, mais rico. Deixar de investir nisso não é uma economia. É o nosso maior e mais irresponsável prejuízo.
- * André Naves é Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
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Instagram: @andrenaves.def





