Descoberta abre caminhos para novos tratamentos e cura da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), a terceira doença neuromotora (DNM) mais frequente no mundo e que afeta 15 mil brasileiros
O Instituto Paulo Gontijo (IPG), referência no apoio à ciência e pesquisa sobre Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), anuncia uma descoberta científica inédita que tem o potencial de transformar a forma como a doença é diagnosticada e tratada, liderada pela pesquisadora associada ao instituto, a geneticista Prof. Dra. Helen Cristina Miranda, da Universidade Case Western Reserve (Cleveland-EUA), com colaboração da Profa. Dra. Mayana Zatz, do Genoma USP, do Prof. Dr. Alysson Muotri e do Dr. Miguel Mitne-Neto, pesquisador associado do IPG.
O estudo, publicado na revista EMBO Molecular Medicine, revelou que uma forma rara e hereditária da doença, a ELA8, provocada por mutação no gene VAPB, ativa de forma crônica a chamada Resposta Integrada ao Estresse (ISR). Esse mecanismo celular, que deveria proteger os neurônios, acaba comprometendo a produção de proteínas essenciais e acelerando a degeneração dos neurônios motores.
A inovação do estudo está na prova de conceito: ao aplicar um composto experimental capaz de inibir a ISR, os pesquisadores reverteram danos já instalados em neurônios motores derivados de células-tronco de pacientes. Essa reversão incluiu recuperação da função mitocondrial, responsável pela produção de energia celular e da atividade elétrica dos neurônios.
“Mostramos que neurônios doentes ainda podem ser resgatados. O bloqueio da resposta ao estresse devolveu a eles funções perdidas, o que abre caminho para novas terapias e para a medicina personalizada em ELA”, explica a Dra. Helen Miranda, que vai apresentar o estudo em dezembro, e San Diego (EUA), durante o 36º Simpósio Internacional sobre ELA/DNM, a convite do organizador do evento, a Associação de Doenças do Neurônio Motor, com apoio do IPG.
Para o Dr. Miguel Mitne-Neto, um dos autores do estudo, agora os resultados encontrados precisam ser avaliados em outros sistemas e modelos da doença antes de apontar sua aplicabilidade. “Mas acreditamos que existe um grande potencial, pois a via molecular estudada é comum a outras formas de doenças neurodegenerativas e isso pode constituir um caminho inicial para tal expansão”. Os próximos passos incluem expandir a investigação para outros subtipos de ELA, como os causados pelas mutações em C9ORF72, TDP43 e FUS, além de casos esporádicos, que representam a maioria dos diagnósticos.
Foi no laboratório conduzido pelo neurocientista Dr. Alysson Muotri, diretor do Programa de Células-Tronco e professor da Universidade da Calfórnia, em San Diego (EUA), que a pesquisa da Dra. Helen deu um salto. Junto com Dr. Mitne-Neto, eles foram um dos 300 alunos do mundo inteiro capacitados a reprogramar neurônios utilizando a tecnologia desenvolvida por Muotri. “Fomos os primeiros a reprogramar e produzir neurônios de pacientes com ELA, abrindo caminho para novas descobertas . O estudo da Dra. Helen é bem relevante, porque revela nova janela terapêutica. É mais um tijolo na parede do conhecimento”, explica.
Mitne aponta ainda que este estudo faz parte de um processo maior de evolução nos métodos diagnósticos, especialmente para as formas genéticas, nos últimos 20 anos. Segundo ele, a capacidade de avaliar grandes segmentos do genoma humano trouxe não apenas a identificação de novas formas da ELA, como se traduziu em ferramentas de aplicação diagnóstica na prática. E a melhor caracterização dos pacientes permite um direcionamento específico de seu tratamento.
Futuro
E a tendência é que o avanço seja ainda mais rápido nos próximos 20 anos, por conta da apuração de novos modelos para a doença. “Até poucos anos atrás, os modelos animais, que apresentam diversas limitações, eram a principal ferramenta de avaliação da doença, fora do paciente. O advento de tecnologias como a reprogramação celular permitiu que neurônios de pacientes com ELA fossem estudados em laboratório, permitindo uma melhor caracterização das alterações moleculares iniciais, além de expandir a quantidade de moléculas a serem testadas para reversão dessas modificações”, explica Mitne-Neto.
É no que também acredita Dr. Alysson. Criador dos minicérebros – organoides cerebrais criados com as chamadas-tronco reprogramadas de pacientes – ele acredita que a capacidade de observar a progressão de doenças em um ambiente controlado e em tempo acelerado permite uma compreensão mais profunda dos mecanismos moleculares e celulares por trás de condições como o Alzheimer, Parkinson, ELA e autismo, o que vai acelerar a descoberta de curas e tratamentos mais eficazes. “Sabemos que o tempo da ciência não é o tempo da pessoa afetada pela doença – seja paciente, seja familiar – mas é importante que confiem na ciência. Estamos fazendo algo seguro, sem atalhos, que vai trazer resultados fantásticos ainda nesta geração.
Para o Instituto Paulo Gontijo, a descoberta reforça a relevância da ciência brasileira no cenário internacional. “Trata-se de um marco científico que oferece um alvo para novos fármacos e ensaios clínicos. Essa pesquisa pode mudar o futuro do diagnóstico, do desenvolvimento de medicamentos e até abrir caminho para a tão sonhada cura da ELA”, afirma Silvia Tortorella, diretora executiva.
Em seu início, o estudo teve o suporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio de bolsa de iniciação científica (20024 e 2005) e de doutorado (2006 -2011) concedidas ao Dr. Mitne-Neto).
Sobre o Instituto Paulo Gontijo (IPG)
Sediado na capital paulista, o Instituto Paulo Gontijo é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que atua há 20 anos como referência em conhecimento e pesquisa científica nas áreas da ciência, e tem como missão desenvolver programas e projetos de apoio científico e de humanização, disseminando informações para melhorar a qualidade de vida das pessoas com doenças neuromusculares, além de qualificar a rede de atendimento interdisciplinar e congregar investimentos para buscar a cura destas doenças. Desde 2007 a entidade promove anualmente o PG AWARD, uma premiação internacional destinada a cientistas de todo o mundo que dedicam seu conhecimento em prol da pesquisa sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Neste período já teve quase 200 teses inscritas, de pesquisadores de todo o mundo. Neste ano o PG Award está em sua 17ª edição.