Entidade defende que operadoras devem ampliar – e não restringir – a investigação das necessidades de cada criança, respeitando sua singularidade e o direito à infância em sua totalidade
A Autistas Brasil – Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas apresentou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) um parecer técnico contundente no julgamento do Recurso Especial nº 2.167.050/SP, que discute se operadoras de planos de saúde podem impor limites administrativos à cobertura de terapias prescritas a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A entidade afirma que tais limites são ilegítimos e incompatíveis com os direitos fundamentais da criança.
Segundo o parecer, os planos de saúde têm se limitado a oferecer abordagens ultrapassadas, moldadas por interesses de mercado, e não pelos direitos das crianças. Em vez de promoverem práticas atualizadas, alinhadas à Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, preferem seguir modelos prontos e generalistas, que desconsideram a singularidade de cada caso.
Para a Autistas Brasil, não cabe às operadoras padronizar tratamentos ou restringir o acesso com base em tabelas administrativas. Cabe, isso sim, garantir condições para que cada criança autista seja compreendida em sua complexidade, por meio de projetos terapêuticos singulares, construídos com rigor técnico e responsabilidade ética por equipes multiprofissionais desde o diagnóstico – que hoje são dados com apenas uma consulta.
“Tratar todas as crianças como iguais diante da complexidade do autismo é uma violação à ética do cuidado. Cada sujeito tem uma história, uma realidade familiar, um modo de estar no mundo. Limitar isso é desumano”, afirma o presidente da Autistas Brasil e pesquisador da Unicamp, Prof. Guilherme de Almeida.
A entidade defende que o cuidado deve partir do reconhecimento da criança como sujeito de direitos, conforme previsto na Constituição Federal, no Marco Legal da Primeira Infância e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Isso significa considerar não apenas o direito à saúde, mas também o direito à educação, ao brincar, ao afeto, à convivência familiar e comunitária, ao tempo livre e ao desenvolvimento da autonomia.
O parecer alerta que a judicialização crescente de tratamentos intensivos e padronizados – como a aplicação indiscriminada de protocolos de ABA com 40 horas semanais – compromete o equilíbrio entre os direitos das crianças e pode gerar sobretratamento, estresse e a exclusão da vivência plena da infância.
“A infância não se reparte em especialidades nem se acomoda em protocolos. É uma experiência total, feita de saúde, afeto, aprendizado, convivência e tempo de ser. Nenhuma intervenção pode reduzir a criança ao desempenho terapêutico, suprimindo o brincar, o vínculo com a escola, a presença no mundo. O Judiciário, historicamente, enxergou a criança autista apenas como paciente, esquecendo que ela é, antes de tudo, sujeito integral de direitos. Cuidar é incluir, não controlar”, acrescenta Guilherme.
A Autistas Brasil também rejeita a noção de que o papel das operadoras de saúde seja o de controlar ou reduzir a oferta de terapias. Ao contrário, reforça que os planos devem garantir avaliações clínicas contextualizadas, escuta das famílias e liberdade das equipes para propor abordagens adequadas a cada caso.
A entidade solicita ao STJ que, ao julgar a tese repetitiva, afirme o direito à prescrição individualizada e determine que os planos ofertem projeto terapêutico singular.
“A multiplicidade das infâncias não pode ser tratada como um problema a ser corrigido. Ela é uma etapa antropológica da vida, onde saúde, educação, afeto e liberdade precisam andar juntos. Negar isso é negar o próprio sentido de cuidado”, conclui o presidente da entidade.