OPINIÃO
- Por Inajara Piedade da Silva
Segundo o relatório Getting to Equal: The Disability Inclusion Advantage, desenvolvido em parceria com o Disability: IN e a The American Association of People with Disabilities (AAPD), empresas que empregam pessoas com deficiência são mais lucrativas, apresentando maior lucratividade e margens de lucro. O estudo ainda revela que se 1% mais de pessoas com deficiência fossem inseridas no mercado de trabalho nos Estados Unidos, o PIB do país poderia aumentar em cerca de US $ 25 bilhões (ACCENTURE, 2018: 04).
Essa informação, por si só, seria suficiente para que as empresas mudem a visão mercadológica de que o trabalhador com deficiência traz prejuízos econômicos, entretanto outras razões corroboram para que essa visão destorcida de parte das empresas, infelizmente de grande parte, possa ganhar a devida nitidez social e até mesmo lucrativa.
O primeiro ponto é que o trabalho, seja para pessoa com deficiência ou não, vai muito além de uma simples fonte de renda. Ele representa independência, autoestima e inclusão na sociedade. É o trabalho o propulsor de oportunidades, de desenvolvimento pessoal e profissional, por meio dele o trabalhador desenvolve a autonomia e a sensação de pertencimento à comunidade.
O segundo argumento para mudança de visão das empresas é que elas se beneficiam com essa inclusão, uma vez que as pessoas com deficiência representam uma expressiva parcela da população brasileira. Vejamos o que os dados apontam: uma estimativa global da população de pessoas com deficiência é de aproximadamente 1,85 bilhão (ROD, 2014), no Brasil cerca de 46 milhões de indivíduos possuem algum tipo de deficiência (CENSO, 2010). Essas pessoas não estão sozinhas, amigos, cuidadores e familiares compõe o grupo social, que juntos totalizando aproximadamente 3,4 bilhões de pessoas. Esses grupos, devido à ligação emocional com indivíduos com deficiência, tornam-se potenciais agentes de inclusão e todos são consumidores (ROD, 2014).
A Lei de cotas é uma das 34 políticas públicas no âmbito federal para pessoa com deficiência, essa política é apresentada na Lei n.º 8.213/91, que prevê no art. 93 a obrigatoriedade de empresas com 100 ou mais funcionários contratarem trabalhadores com deficiência, na proporção de 2% a 5%. O órgão responsável por essa política pública é o Ministério do Trabalho e Previdência.
Empresas que possuem 100 ou mais empregados são obrigadas a essa contratação, na prática verifica-se que muitas não cumprem o dever legal, eis que sobram vagas, enquanto sobram pessoas com deficiência buscando ingresso no mercado de trabalho. Empregadores privados contrataram em 2021, ano dos últimos dados disponibilizado pelo governo, trabalhadores com deficiência para preencher 50,65% das vagas as quais estão obrigados a realizar contratação. Sobram 49,35% de vagas para trabalhador com deficiência (https://sit.trabalho.gov.br/radar/).
Recentemente tivemos a manifestação do Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho sobre a flexibilização da lei de cotas. No lançamento do Pacto Nacional pela Inclusão Produtiva das Juventudes o ministro afirmou que as empresas não podem ser punidas por não cumprir a cota. Desta forma propôs o ministro que empresas que não atinjam as contratações exigidas pela Lei n.º 8.213/91, teriam a opção de contribuir para um fundo de aprendizagem. Na manifestação o ministro Luiz Marinho explana:
“Cheguei a seguinte conclusão, nossa meta é dar oportunidade para a juventude. As empresas não podem ser punidas com autuação pesada por não cumprir a cota. Ela não tem condições naturais de cumprimento, mas ela pode contribuir. Primeiro, arcando com o que é possível. O que não é possível ela pode, e nós vamos propor, criar um fundo, aliás dois fundos, o PCD e o Fundo de Aprendizagem” (MARINHO, 2024: online).
De imediato se verifica um ataque aos direitos fundamentais da pessoa com deficiência. O direito ao trabalho é uma garantia típica do Estado de Direito. está previsto na Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, e nos artigos 7.º, XXXI, 37, VIII, e 227, II, da CRFB (1988), um ataque da monta do que propõe o ministro é um retrocesso aos direitos já adquiridos por esse grupo social, que acumula exclusões ao longo da história.
Uma possível proposta de flexibilizar a Lei n.º 8.213/91, irá trazer um prejuízo para as pessoas com deficiência, que já encontram barreiras para o ingresso e permanência no mundo do trabalho. De acordo com a estatística de inspeção do trabalho no Brasil em 2020, os dados apontam que 91,97% das pessoas com deficiência estão empregadas pela Lei de Cotas, enquanto 8,03% estão no mercado de trabalho sem seguir essa política de inclusão (https://sit.trabalho.gov.br/radar/).
O que ressalta a afirmação de que sem a lei de cotas o ingresso no mercado de trabalho para a pessoa com deficiência beiraria a impossibilidade. Ainda que repetitivo, o reforço se faz necessário: não fosse a lei de cotas não teríamos trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho.
Por fim, um fator importante que não pode ser desprezado em todo processo social é a credibilidade que a comunidade atribui ao procedimento. Neste contexto, é importante o caráter participativo das pessoas com deficiência, que se manifesta no lema “Nada Sobre Nós, Sem Nós”, previsto na Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência. O lema estabelece que as pessoas com deficiência devem ter a oportunidade de participar ativamente das decisões relacionadas a programas e políticas que as afetem diretamente (ONU, 2006). Isso possibilita o controle sobre sua vida privada e a participação na vida político-social. Portanto, uma mudança na lei de cotas, precisa passar pela oitiva das pessoas com deficiência, havendo concordância, nesse caso eu me calo.
- Inajara Piedade da Silva é advogada, professora do IFRS campus PoA, doutoranda e mestre em Direito, investigadora do Ratio Legis Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da UAL – Portugal, pesquisadora CNPQ grupo de pesquisa “Trabalho e Capital” (GPTC) vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), escritora e palestrante na área de inclusão. Instagram @inajara.piedade.