fbpx
  • qui. jan 30th, 2025

ANAPcD critica mudança na política de discurso de ódio da Meta que pode causar mais preconceito e capacitismo  

ANAPcD critica mudança na política de discurso de ódio da Meta que pode causar mais preconceito e capacitismo  

Rede social que permitir posts criminosos pode ser responsabilizada, diz Ministério da Justiça. Secretaria de Direitos Digitais diz que provedores são obrigados a seguir legislação brasileira. Representantes da comunidade judaica, grupos de mulheres e de pessoas com deficiência demonstram preocupação com novas regras de moderação.

  • * Por Gisele Lobato

A Secretaria de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública reagiu nesta quinta-feira (23) à mudança na política de discurso de ódio da Meta afirmando que empresas que não cumprirem a legislação brasileira podem sofrer responsabilização.

“A escolha de tecnologia inapta a mitigar os riscos do serviço oferecido, a falha em supervisionar a segurança e qualidade do serviço que oferecem pode ensejar responsabilização, não pela elaboração do conteúdo imputável ao usuário, mas por aquilo que é próprio dos provedores: a manutenção, o impulsionamento, a distribuição massiva, viabilizada ou não por atributos das aplicações, dos seus algoritmos e das suas políticas”, diz nota enviada ao Aos Fatos.

Como o Aos Fatos mostrou, a nova política de discurso de ódio da Meta — anunciada pelo CEO da empresa, Mark Zuckerberg, no dia 7 — passou a permitir a circulação de expressões racistas e supremacistas no Facebook e no Instagram, incluindo construções como “eu odeio negros” e “brancos são melhores”.

A mudança, que a empresa justifica citando a defesa da “liberdade de expressão”, também libera outros conteúdos considerados crime no Brasil, como posts homofóbicos, misóginos e que reforçam estereótipos e preconceitos étnicos, religiosos e contra pessoas com deficiência.

O ministério lembra que a obrigação de os provedores respeitarem a legislação brasileira é prevista pelo Marco Civil da Internet (lei nº 12.965/2014). A mesma lei tem um dispositivo que diz que as plataformas só respondem por conteúdo de terceiros caso desobedeçam ordem judicial para sua remoção — tema que está sendo discutido atualmente pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Porém, no entendimento do ministério, “se um serviço falha consistentemente em impedir a disseminação de conteúdo que viola direitos, há uma infração à lei brasileira — por exemplo, ao Código de Defesa do Consumidor, que obriga fornecedores a garantirem segurança e prevenir danos patrimoniais e extrapatrimoniais”.

Foi com o amparo do Código de Defesa do Consumidor que, em 2023, o ministério editou uma portaria ameaçando as plataformas de suspensão caso não agissem para coibir a propagação de ameaças de ataques a escolas.

“As plataformas integram uma cadeia de consumo em função de sua principal fonte de receita ser a publicidade digital. Então, o Ministério da Justiça, com a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, pode atuar no sentido de fazer com que a empresa se adeque à legislação brasileira”, avalia Alexandre Arns, consultor da Coalizão Direitos na Rede.

Na quarta-feira (22), a AGU (Advocacia-Geral da União) realizou uma audiência pública para debater com a sociedade civil as mudanças da Meta, que representam o alinhamento ideológico da empresa ao novo governo de Donald Trump, que tomou posse nos Estados Unidos na última segunda (20).

Convidadas, nenhuma das big techs compareceu ao evento, que reuniu representantes da academia, do jornalismo e da sociedade civil. Segundo a AGU, as contribuições do debate serão levadas ao processo em discussão no STF.

‘Meta é racista’

Entidades que representam o movimento negro brasileiro reagiram à nova política de moderação de dicurso de ódio da Meta acusando a empresa de pactuar com o racismo e incentivar a discriminação em nome do lucro.

“A Meta é racista! As big techs têm lucrado com a política de ódio que ameaça a vida e o direito à cidadania das pessoas negras no Brasil e no mundo”, critica Simone Nascimento, coordenadora do MNU (Movimento Negro Unificado) e co-deputada da bancada feminista do PSOL na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

“No Brasil, racismo é crime, e a Meta precisa ser responsabilizada e seguir a lei”, defendeu a ativista.

“Tais alterações aumentam ainda mais os riscos para os segmentos sociais historicamente vulneráveis ao facilitarem a disseminação de discursos de ódio racial, misoginia, transfobia, capacitismo e outras formas de opressão”, diz Maria José Menezes, ativista da MMNSP (Marcha das Mulheres Negras de São Paulo).

Para Menezes, “as redes sociais têm se tornado um terreno fértil para a ação de indivíduos covardes e violentos” e, nesse contexto, “as mudanças apresentadas pela Meta representam um incentivo à impunidade em uma sociedade onde os direitos humanos são constantemente violados”.

A entidade também cobra “rigor do Estado brasileiro na defesa da segurança dos usuários de todas as redes sociais” e a consolidação da regulação das plataformas, “dentro dos valores civilizatórios de respeito e proteção individuais e coletivas de todos os segmentos sociais, com especial atenção aos de maior vulnerabilidade”.

Para Beatriz Lourenço, diretora de incidência política do Instituto de Referência Negra Peregum, as empresas de tecnologia implementaram políticas de diversidade no passado acreditando que elas podiam gerar lucro e prestígio, mas agora “recalculam a rota” ao ver que é possível lucrar “valorizando discursos de ódio e discursos de discriminação”.

Ante a possibilidade de aumento do antissemitismo, o presidente executivo da Fisesp (Federação Israelita do Estado São Paulo), Ricardo Berkiensztat, afirma que “o ódio nas redes sociais é um tema que nos preocupa muito e é objeto de análise e posterior processos judiciais, quando cabível”.

“Esperamos que haja um limite claro para a verdadeira liberdade de expressão, que é democrática, e que não haja ataques a quem quer que seja”, declarou o representante da comunidade judaica.

Também Joana Varon, diretora executiva da Coding Rights — organização feminista que atua no campo da tecnologia — entende que a Meta demonstra “uma compreensão totalmente equivocada do conceito de liberdade de expressão”, abrindo espaço “ao ódio, à incitação à violência e a ferir outros direitos fundamentais”.

A ativista ressalta que mulheres e outras comunidades historicamente vulnerabilizadas no mundo offline “também são mais atacadas no online”, ponderando que os dois universos estão interconectados.

“Não existe diferença entre ataque virtual e offline, porque o que a gente sofre no online afeta o nosso corpo, a nossa mente e a nossa vida.”

Já Abrão Dib, presidente da ANAPcD (Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência), avalia como “gravíssima” a mudança na política da Meta, considerando que as novas regras podem ampliar ataques a pessoas com deficiência, que já são alvo de expressões pejorativas nas redes sociais.

“Nós esperávamos que a Meta retirasse textos preconceituosos e capacitistas das redes sociais, mas eles estão liberando. Estão abrindo a porteira para que não haja mais nenhum tipo de respeito com o ser humano”, critica.

“O ovo da serpente eclodiu!”, lamenta também Valéria Vilhena, presidenta da associação Mulheres EIG (Evangélicas pela Igualdade de Gênero), defendendo que a sociedade civil deve resistir a retrocessos. A entidade reagiu às novas diretrizes da Meta comparando o Vale do Silício à passagem bíblica do Vale dos Ossos Secos, argumentando que os “magnatas da tecnologia” estão decretando um “avanço para o fim do mundo”.

Procurada pelo Aos Fatos, a Meta não quis comentar as críticas.

O caminho da apuração

Aos Fatos procurou órgãos do governo, especialistas e movimentos que representam diferentes segmentos sociais para pedir uma avaliação sobre a mudança na política da Meta.

A reportagem também enviou as críticas feitas pelas organizações à plataforma, para dar à empresa a oportunidade de contestação.

FONTE: https://www.aosfatos.org/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *