OPINIÃO
- * Por Leizer Pereira
A Lei de Cotas nº 8213/1991, para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, completou 32 anos. Contudo, os números dão conta de que não é possível mudar a cultura de discriminação, preconceito e rejeição pela sociedade apenas por força da lei.
Apesar de quase 9% da população brasileira ser formada por pessoas com deficiência, o IBGE revela que, no fim de 2022, apenas 26% dessa população estava no mercado de trabalho. Além disso, menos da metade das empresas conseguem se adaptar à legislação, e muitas ainda encaram a questão apenas como mero cumprimento de cotas.
Para promover a inclusão efetiva das pessoas com deficiência, garantindo seu acesso a oportunidades de emprego, convívio social e plena cidadania, é necessário, antes, desmistificar a ideia de que trabalhar com pessoas com deficiência é trabalhar com pessoas incapazes.
Particularmente, eu nunca tive contato direto com pessoas com deficiência até começar a trabalhar com elas e por elas, por meio de ações de promoção de Diversidade, Equidade & Inclusão (DE&I) dentro das empresas. Desde então, tem sido uma experiência transformadora, que me faz enxergar, com as lentes da diversidade, coisas que antes não conseguia ver.
Certa vez, numa roda de conversa com pessoas com deficiência, ouvi de uma delas algo que nunca vou esquecer: “Leizer, você tem deficiência capilar, por isso é careca. E eu não tenho uma perna. A deficiência não nos significa, percebe? Somos pessoas com nossas potências, algo muito além da deficiência.”
Naquela época, fazia parte do meu vocabulário o tal do “João sem braço” e o “time está sem perna”. Eu até soltei esses comentários pejorativos no meio da roda e fui repreendido pela turma. Naquele momento, caiu a ficha de que, por mais que eu me achasse uma pessoa do bem, respeitosa e empática, eu precisava urgente de letramento e de uma nova etiqueta social de convívio para me conectar, não só com o universo das pessoas com deficiência, mas também com a comunidade LGBTQIA+ e outras diversidades.
Vivemos ainda sob uma cultura muito machista, homofóbica e capacitista. Com esse guarda-chuva cultural, é inescapável reproduzir atitudes discriminatórias que estão enraizadas e passam quase despercebidas. No entanto, da mesma forma que a gente aprende, podemos desaprender, descontruir vieses e práticas preconceituosas. O primeiro passo é o de escuta ativa e empática, pois “mimimi é a dor do outro que você não sente”.
Superar essa cultura é o primeiro passo para fazer avançar iniciativas de desenvolvimento profissional e a inclusão das pessoas com deficiência no mundo do trabalho. Mas não é só isso. Do lado das empresas, os maiores desafios enfrentados para a condução de iniciativas de DE&I nos negócios são estes: ambiente conservador, resistência da cultura organizacional, pouco orçamento, baixa adesão e despreparo de gestores.
Existe uma vontade em promover diversidade e inclusão nas organizações, mas ela esbarra em uma enorme inércia cultural e falta de prioridade. Para vencer estes desafios, as empresas precisam de líderes inclusivos e engajados, que comprometam tempo, energia, dinheiro e recursos para o avanço de um programa de DE&I.
Do discurso para a prática, a jornada de transformação cultural na organização necessita do envolvimento de RH, diretoria, gestores e pessoas com deficiência da empresa. A conscientização de lideranças e equipe para receber, interagir e liderar as pessoas com deficiência é imprescindível. Isso sem falar da necessidade de repensar os processos seletivos para mitigar vieses, diversificar os canais de atração e fortalecer a marca empregadora.
O caminho é longo e complexo, mas já passou da hora de superarmos os nossos preconceitos em favor de pessoas que estão cheias de potência para contribuir em favor da construção de uma sociedade mais justa, menos desigual e inclusiva.
* Leizer Pereira é palestrante, empreendedor e consultor especialista em estratégias para promoção da diversidade e inclusão nas empresas. É fundador e diretor executivo da Empodera, uma plataforma pioneira na construção de negócios inclusivos e preparação de carreira e conexão de jovens com organizações que valorizam a diversidade.