OPINIÃO
- * Por Abrão Dib
Há tempos as pessoas com deficiência de todo Brasil convivem com ataques diretos aos poucos direitos que foram conquistados com muito esforço.
Percebemos a ‘exclusão’ ao invés da ‘inclusão’.
São ataques à Educação, aos Direitos Humanos, ao Direito de Ir e Vir, falta incentivo para Tecnologia Assistiva, e, a contínua tensão permanece nos ataques à lei de cotas para o mercado de trabalho da pessoa com deficiência.
Passa governo. Sai governo. Entra governo e os ataques são cada vez mais ferozes.
Recentemente, o ex-sindicalista e agora Ministro Luiz Marinho anunciou que é necessário modernizar a lei de cotas.
Disse ainda que a criação de um fundão seria o melhor caminho. Traduzindo, a empresa que não cumprir a cota mínima para o preenchimento de vagas de pessoas com deficiência no quadro de funcionários paga uma DARF e está tudo certo. É o fundão em troca da dignidade da pessoa com deficiência.
É claro que esse discurso em defesa dos patrões e empresários não é por acaso.
Querer conversar com duas ou três entidades para explicar o inexplicável não resolve o caso.
O ministro precisa cumprir com o lema ‘nada sobre nós, sem nós’. Não vai decidir o futuro de muitos pelo aval de poucos – que por sinal demonstram sempre muito interesse. Mas quais serão os interesses?
Sei que os interesses patronais sonham com o tal fundão.
Com isso, as empresas nem seriam autuadas por descumprimento da Lei de Cotas pela Fiscalização do Trabalho (Ministério do Trabalho e Emprego), nem TAC – Termos de Ajustamentos de Condutas com o Ministério Público do Trabalho.
Será simples – como quer o ministro: faz a DARF, realiza os cálculos por não preencher a lei de cotas e tudo bem! Tudo bem mesmo. Sabem porque: o fundão tem tudo a ver com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), que exige na fase de licitação, de formalização do contrato e da execução do contrato, o cumprimento da Lei de Cotas de Pessoas com Deficiência e também da Cota de Aprendizagem Profissional. Setores que tem muitos contratos com os governos, como construção, prestação de serviços e outros, agora não apenas podem ser autuados, mas também ficarão impedidos de contratar com a Administração Pública, por não cumprirem as cotas legais. As empresas que antes precisavam se preocupar com os efeitos das fiscalizações e autuações por descumprirem a cota, agora teriam também o impedimento de participarem de licitações e podem ser salvas pelo fundão.
Sempre é assim! Sob o nome de modernização, melhoramento, agora é Aprimoramento da Lei de Cotas, coloca-se algo em princípio, no caso um fundo, ou qualificação ou apoio ao emprego da pessoa com deficiência, quanto o intuito maior é eliminar cargos da Lei de Cotas ou excluir certos setores de seu cumprimento, sob a alegação de impossibilidade de cumprimento, quando na realidade é que esses setores e empresas não promovem a inclusão no seu ambiente de trabalho. O efeito disso não pode ser o fundamento para ceifar vagas.
Não há compensação em eliminar vagas de inclusão, mesmo que os recursos sejam destinados a políticas de apoio ou qualificação da pessoa com deficiência, porque segundo dados do e-Social/RAIS, mas de 90% das pessoas com deficiência estão empregadas em empresas sujeitas à Lei de Cotas. Se tira a vaga, retira-se o fim maior da utilização destes recursos.
Fundos específicos para políticas de qualificação profissional, de apoio ao emprego, de quebra de barreiras etc não podem e não devem ser moeda de troca para a redução das vagas, por quaisquer motivos. Para essas políticas, há que se ter ações adicionais do Estado e Sociedade Brasileira para a inclusão e não ser objeto de troca.
Pensar o contrário é sujeitar o Brasil à denúncia internacional, em face de retrocesso social (Pacto de San José da Costa Rica, art. 26)
A Lei nº 8.213/93 não abre qualquer exceção e a Convenção é imperativa no sentido que cabe ao Estado Brasileiro a promoção de politicas de inclusão das pessoas com deficiência no emprego e não ceifar as vagas a elas destinadas, sob argumentos falaciosos. O próprio STF já reconheceu a impossibilidade de se excluir os marítimos embarcados da base de cálculo da Lei de Cotas (ADI-5760-DF)
O Ministro encontrou uma saída mágica. Não precisa cumprir a lei de cotas. Paga a DARF, tem as certidões necessárias e participa de licitações em qualquer lugar. Poderão ter bons contratos com a União, Estados, DF e Municípios, com o poder executivo, legislativo, judiciário e até com outros planetas – se assim os empresários quiserem, sem precisar contratar pessoas com deficiência nos seus quadros.
A saída para os patrões é a decretação do fim da autoestima, da valorização e dignidade da pessoa com deficiência. Muitas pessoas com deficiência não serão mais contratadas. Muitas serão dispensadas, porque a empresa não mais ficaria obrigada de cumprir efetivamente a cota, pagando um determinado valor ou seu setor ser equivocadamente considerado “impossível” de cumprir (sic), conforme a afirmação do Ministro.
Se com a lei de cotas já sofrem para ter tratamento digno, imagine com o FUNDÃO DO MARINHO.
Mas posso garantir que muitos vão se unir contra essa ideia indigna de elogios do ex -sindicalista e agora ministro.
Buscaremos forças em qualquer lugar que seja, mas não vamos desistir de lutar pelos direitos das pessoas com deficiência.
Não vão rasgar a Constituição, (a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência tem estatura de Constituição) nem a LBI – Lei Brasileira de Inclusão.
Por sinal, não dá para entender como os governos, sejam de direita, de esquerda e de centro, são tão bons em enfraquecer o poder das fiscalizações ou os direitos dos trabalhadores por elas fiscalizados.
A ANAPcD divulgou o total apoio aos valorosos e valorosas Auditores e Auditoras Fiscais do Trabalho que tiveram suas forças sucateadas nos últimos anos. Graças a esses profissionais ainda há algum respeito pela lei de cotas e empresas sofrem autuações.
Nossa solidariedade a eles e nosso aviso: não será com o fundão que vão acabar com a Lei de Cotas.
Se as empresas estão fortes com os seus ‘lobbyes’ em busca da criação do fundão, vão precisar enfrentar o poder das pessoas com deficiência.
Esse segmento é forte e não aceitará perder sequer qualquer um dos direitos conquistados no decorrer do tempo.
A ANAPcD alerta: lei de cotas, SIM. Fundão do Marinho, NÃO.
- Abrão Dib e jornalista, editor do Diário PcD e presidente da ANAPcD – Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência