OPINIÃO
- * Por Jairo Varella Bianeck
A luta pelos direitos das pessoas com deficiência no Brasil é uma jornada que exige mais do que participação superficial ou presença simbólica. Em tempos de mudanças significativas, como a Reforma Tributária em curso, essa luta se intensifica e requer um nível de comprometimento que vai além do simples ativismo. É aqui que a diferença entre um verdadeiro militante e um “militonto”, como descrito por Frei Betto, se torna importante.
Frei Betto, em seu conselho, destaca: “Militonto é aquele que se gaba de estar em tudo, participar de todos os eventos e movimentos, atuar em todas as frentes. Sua linguagem é repleta de chavões e os efeitos de sua ação são superficiais. O militante aprofunda seus vínculos com o povo, estuda, reflete, medita; qualifica-se numa determinada forma e área de atuação ou atividade, valoriza os vínculos orgânicos e os projetos comunitários.”
Essa distinção se aplica perfeitamente à atual situação das pessoas com deficiência diante da Reforma Tributária. A Reforma pode trazer mudanças que afetam diretamente as políticas de isenção de impostos, que são vitais para garantir que essas pessoas tenham acesso a uma vida digna e a oportunidades iguais. No entanto, para que essas isenções e outros direitos sejam mantidos ou ampliados, é necessário um esforço militante que vá além da retórica.
As Principais Leis Nacionais e Internacionais de Proteção aos Direitos das Pessoas com Deficiência:
1. Constituição Federal de 1988 (CF/88):
A Constituição Federal, que é a lei suprema do Brasil, garante, no artigo 5º, a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e proíbe qualquer forma de discriminação. O artigo 23, inciso II, estabelece que é competência comum da União, Estados e Municípios cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência. Já o artigo 24, inciso XIV, permite que a União, os Estados e o Distrito Federal legislem sobre proteção e integração social das pessoas com deficiência.
2. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) – Lei nº 13.146/2015:
A LBI, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, é uma legislação fundamental que regulamenta os direitos das pessoas com deficiência em diversas áreas, incluindo saúde, educação, trabalho, acessibilidade e, crucialmente, a isenção de impostos na aquisição de veículos adaptados. A LBI reforça o direito à acessibilidade e à mobilidade das pessoas com deficiência, garantindo-lhes condições de igualdade com as demais pessoas.
3. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (CDPD):
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em 2006 e ratificada pelo Brasil em 2008 com status de emenda constitucional, é um marco internacional para a proteção dos direitos das pessoas com deficiência. Ela estabelece que os Estados-partes devem garantir que as pessoas com deficiência tenham acesso a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em condições de igualdade. A CDPD reforça a importância da acessibilidade e da mobilidade pessoal, incluindo a necessidade de garantir condições favoráveis para a aquisição de veículos adaptados.
4. Código Tributário Nacional (CTN) – Lei nº 5.172/1966:
O Código Tributário Nacional é a legislação que regula o sistema tributário no Brasil. Ele permite a concessão de isenções fiscais, inclusive para pessoas com deficiência, através de leis específicas. No contexto da Reforma Tributária, é essencial que as disposições de isenção para pessoas com deficiência sejam mantidas e aprimoradas para evitar retrocessos nos direitos já conquistados.
5. Resoluções do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ):
O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) desempenha um papel relevante na regulamentação da concessão de isenções do ICMS para a aquisição de veículos por pessoas com deficiência. Um exemplo fundamental dessa regulamentação é o Convênio ICMS 38/2012. Esse convênio estabelece as diretrizes para a concessão de isenção do ICMS nas saídas internas e interestaduais de veículos automotores novos, quando adquiridos por pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, síndrome de Down ou autismo.
O Convênio ICMS 38/2012 é uma ferramenta essencial para assegurar que esses benefícios fiscais sejam aplicados de forma uniforme em todo o território nacional, evitando discriminações regionais e garantindo o acesso a veículos a preços mais acessíveis para as pessoas com deficiência. A uniformidade dessas regras em todo o país é vital para assegurar que todos os beneficiários tenham os mesmos direitos e que as diferenças regionais não afetem o acesso aos benefícios.
Essas regulamentações foram atualizadas ao longo dos anos para refletir as mudanças nas políticas de inclusão e acessibilidade, ampliando o alcance dos benefícios e incluindo novas categorias de beneficiários. Assim, o trabalho do CONFAZ por meio de convênios como o ICMS 38/2012 garante a aplicação justa e equitativa das isenções fiscais em favor das pessoas com deficiência, promovendo maior acessibilidade e inclusão social.
A Militância na Defesa desses Direitos:
Ser um militante nessa causa implica em um profundo entendimento dessas leis e das necessidades específicas das pessoas com deficiência, e dos impactos que cada mudança pode trazer. Implica também em participar ativamente dos debates legislativos, propor emendas, e estar em constante diálogo com as comunidades afetadas para garantir que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas.
Por outro lado, o “militonto” pode até se envolver nas discussões, mas sem a preparação necessária, seu envolvimento se torna inócuo. Sem um estudo aprofundado e sem a capacidade de conectar as necessidades da comunidade com as soluções propostas, sua ação pode acabar sendo apenas mais uma voz na multidão, sem realmente promover as mudanças necessárias.
Assim, a defesa dos direitos das pessoas com deficiência frente à Reforma Tributária exige o tipo de militância que Frei Betto preconiza: uma militância qualificada, comprometida e ética, que não se contenta com a superficialidade. É uma luta por justiça social e equidade, onde cada avanço é conquistado com esforço e dedicação reais. Somente através de um engajamento profundo e informado poderemos assegurar que os direitos das pessoas com deficiência não apenas sejam mantidos, mas que avancem em direção a uma sociedade mais justa e inclusiva.
Portanto, diante dos desafios impostos pela Reforma Tributária, é essencial que os defensores dos direitos das pessoas com deficiência atuem como verdadeiros militantes, comprometidos com a causa, conscientes de sua responsabilidade e preparados para lutar pelas garantias que promovem a dignidade e a igualdade para todos.
- Jairo Varella Bianeck é advogado e coordenador jurídico da ANAPCD.