OPINIÃO
- * Por Djalma Scartezini
A Lei de Cotas (n° 8.213/91) para a inclusão das Pessoas com Deficiência (PcD) no mercado de trabalho completou, em julho deste ano, 33 anos de existência com um balanço que poderia ser muito melhor. Em 2010, o censo do IBGE indicou que o nosso país possui pelo menos 45 milhões de brasileiros que se reconhecem com algum tipo de deficiência, o que equivale a 24% da população. Na outra ponta, o Ministério do Trabalho e Emprego contabilizou que apenas 545,9 mil desses talentos estão empregados em 2024.
Já se passaram mais de três décadas desde a promulgação da lei e chegou o momento de recalcularmos a rota enquanto nação para garantirmos o direito ao trabalho para tantos homens e mulheres com deficiência espalhados pelos quatro cantos do país.
Enquanto REIS, estamos em constante movimentação para que, em um futuro breve, tenhamos um número expressivo de talentos com deficiência ocupando todos os cargos e também as posições da alta gestão e liderança. E continuaremos dialogando incansavelmente com o setor empresarial com o intuito de sensibilizar o mercado corporativo para que a reserva legal de vagas para esse público continue sendo cumprida.
Mas, se queremos que esse público esteja verdadeiramente preparado para adentrar o mercado de trabalho e construir uma carreira de sucesso, é necessário compartilharmos coletivamente esta responsabilidade com todos os setores da sociedade, sobretudo com a Educação.
A educação é um direito humano fundamental e inegociável. Em nosso país, ela é assegurada pela Constituição Federal de 1988 e por demais legislações, como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), além da própria LBI (Lei Brasileira de Inclusão).
Recentemente, um estudo realizado pelo Equidade.info, iniciativa da Escola de Educação da Universidade de Stanford, dos Estados Unidos, constatou que a educação básica brasileira é composta por 12,8% de estudantes com deficiência e transtornos de aprendizagem. Isso significa dizer que são mais de 6 milhões de alunos com deficiência distribuídos entre a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.
Desse total de alunos, quantos sairão da escola com uma formação de qualidade? Quantos ingressarão no ensino superior? Todos conseguirão adentrar o mercado de trabalho? E quantos conseguirão permanecer e ascender profissionalmente?
No Brasil, foi somente na década de 1950, que as classes especiais começaram a surgir e as pessoas com deficiência começaram a ter o direito à escolarização. Vinte anos mais tarde, na década de 1970, as classes comuns começaram a receber os alunos atípicos. Mas ainda hoje, recebemos casos de crianças que têm suas matrículas dificultadas ou até mesmo negadas.
Meus pais, mesmo com privilégios, tiveram muita dificuldade na minha escolarização. E, como podemos perceber, essas centenas de anos de atraso fazem as pessoas com deficiência largarem em desvantagem na corrida por uma vaga de emprego.
Entretanto, como um homem com deficiência e psicólogo especialista em inclusão, posso dizer que nem sempre receber uma educação de qualidade será suficiente para os estudantes com deficiência. É essencial que eles também estejam capacitados para se integrar plenamente na sociedade. Essa preparação vai além da formação profissional, é necessário que desenvolvam habilidades sociais e estejam aptos a lidar com os desafios que surgem no dia a dia de empresas e corporações.
Por esses motivos, os Municípios, os Estados e a União precisam tratar a educação inclusiva como uma agenda prioritária e oferecer o suporte necessário para que as escolas consigam promover uma transição eficaz dos jovens com deficiência para a vida adulta.
Basta analisarmos a configuração do atual mercado contemporâneo que nunca esteve tão competitivo como hoje. Para além das habilidades técnicas, cada um de nós carrega consigo uma bagagem cultural e social marcada por aprendizados, obstáculos e conquistas.
Depois da família, a escola é o primeiro espaço de socialização das crianças. A entrada delas no ambiente escolar marca a ruptura de um ciclo e o início de uma nova etapa tanto para nós, pais, mães e cuidadores, quanto para os pequenos.
Hoje como pai, mas também como a única criança com deficiência em quase todas as escolas em que estudei, posso dizer que é nesse espaço que aprendemos a lidar pela primeira vez com indivíduos de outros contextos sociais e culturais. É também nele, que a criança sem deficiência se tornará permeável para as diferenças a fim de que, no futuro, ao ingressar no mercado de trabalho, já tenha a inclusão social como valor.
E quando falamos de pessoas com deficiência, essas experiências iniciais da fase escolar têm um grau de importância ainda maior, uma vez que, essa população passou grande parte da história da humanidade isolada do convívio social – ora segregada, ora escondida.
Por isso, nós, da REIS, temos um posicionamento firme e a favor das Escolas Regulares e Inclusivas para crianças com deficiência.
Estamos às vésperas das eleições que decidirão quem serão os futuros prefeitos e prefeitas, para além dos vereadores, nos próximos quatro anos. É do poder público municipal a responsabilidade de garantir a educação infantil e o ensino fundamental e precisamos estar atentos a como nossas escolhas impactarão a inclusão social das pessoas com deficiência desde a educação básica até o mercado de trabalho.
Não podemos continuar atuando de maneira desintegrada. É necessária uma frente ampla entre a sociedade civil organizada, os governos, as escolas e o setor empresarial para dobrarmos o número de pessoas com deficiência formalmente contratadas até 2030.
Esse é o objetivo da REIS, mas apenas com o esforço conjunto de todos e todas conseguiremos acelerar o alcance desse resultado.
- * Djalma Scartezini é Psicólogo, comunicador e docente do ensino superior. É CEO da REIS (Rede Empresarial de Inclusão Social). Representa o Brasil, anualmente, na conferência global da OIT em Genebra sobre o futuro do trabalho e a inclusão de profissionais com deficiência.