OPINIÃO
- * Por Renato Melaragno
Todos os dias, no consultório e nos hospitais, presencio histórias que desafiam qualquer lógica. Pais que chegam aflitos, tentando entender por que seu filho, que até pouco tempo corria e brincava, agora enfrenta uma batalha pela vida. Crianças que, mesmo diante da dor e do cansaço, encontram forças para sorrir. O câncer infantil é uma realidade dura, mas que pode ser transformada com acesso rápido ao diagnóstico e tratamento adequado.
O câncer é a principal causa de morte por doença entre crianças e adolescentes no Brasil. O diagnóstico precoce é determinante para aumentar as chances de cura, que podem ultrapassar 80% quando identificado rapidamente e tratado adequadamente. No entanto, ainda enfrentamos muitas barreiras, como a falta de conhecimento dos sinais e sintomas do câncer infantil e a desigualdade no acesso aos serviços de saúde.
Os sintomas do câncer infantil podem ser sutis e facilmente confundidos com doenças comuns da infância, como infecções virais. Por isso, é fundamental que profissionais da saúde, especialmente aqueles que atuam na atenção básica, estejam capacitados para reconhecer esses sinais de alerta e encaminhar os pacientes para um atendimento especializado.
Uma das principais iniciativas para enfrentar esse desafio é o Programa Diagnóstico Precoce do Instituto Ronald McDonald, criado justamente com o objetivo de disseminar conhecimento entre profissionais da saúde e da educação, promovendo capacitações e sensibilizações em todo o país. Desde sua fundação, tive a honra de atuar como um dos idealizadores e maior incentivador do programa, realizando a aula inaugural em cada estado por onde passamos. Acreditamos que informação salva vidas, e preparar quem está na linha de frente para identificar sinais de alerta pode fazer toda a diferença entre o diagnóstico tardio e a cura.
Desigualdade regional no tratamento
No Brasil, a localização geográfica ainda é um fator decisivo na sobrevida de uma criança com câncer. Enquanto no Sul do país a taxa de sobrevivência chega a 75%, no Norte essa média é de apenas 50%. Essa disparidade é inaceitável e precisa ser combatida com investimentos em infraestrutura, capacitação profissional e políticas públicas eficazes.
Avanços na oncologia pediátrica
Os avanços tecnológicos têm permitido diagnósticos mais precisos, com análises genéticas e moleculares que possibilitam tratamentos personalizados. As terapias-alvo, por exemplo, estão revolucionando o tratamento do câncer infantil ao atuar diretamente nas alterações moleculares das células cancerígenas, reduzindo os efeitos colaterais e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. No Brasil, a oncologia pediátrica está inserida dentro das políticas de câncer geral, o que limita sua visibilidade e os investimentos necessários. O câncer infantil representa apenas 2% dos casos de câncer em adultos, mas deveria ser tratado como uma questão prioritária dentro das políticas de saúde da infância e adolescência, pois o câncer infantil desestrutura uma família e esse olhar integral e estratégico se faz necessário e urgente.
O futuro do tratamento do câncer pediátrico
Para continuar avançando, é essencial que a oncologia pediátrica seja tratada de forma independente dentro das políticas de saúde, com um olhar específico para suas particularidades. Precisamos de mais investimentos em pesquisa, formação de profissionais e ampliação do acesso a tratamentos de qualidade em todas as regiões do país.
O câncer infantil não pode esperar. O tempo é um fator decisivo, e cada dia sem um diagnóstico correto pode significar uma chance a menos de cura.
Com conscientização, investimento e solidariedade, podemos mudar essa realidade e oferecer um futuro com mais esperança para milhares de crianças e suas famílias.

*Renato Melaragno é Oncologista Pediátrico e membro da Comissão Científica do Instituto Ronald McDonald