OPINIÃO
- * Por Jairo Varella Bianeck
Algumas perguntas servem para nos colocar frente a frente com o que realmente sentimos.
Não são perguntas bonitas, nem confortáveis — mas são sinceras.
Uma delas é esta:
“Se ninguém soubesse dessa injustiça, eu ainda me irritaria?”
Essa questão nos obriga a separar duas coisas que costumamos misturar:
a indignação moral e o incômodo pessoal.
Porque, quando algo errado acontece — alguém lucrando com falcatruas, alguém sendo beneficiado às custas dos outros — é fácil dizer que a nossa revolta é sempre ética.
Mas será que é mesmo?
Para responder, é preciso imaginar a cena sem plateia, sem comentários, sem ninguém julgando junto.
Se, mesmo assim, a irritação permanece, então ela nasce de um princípio:
“isso está errado e ponto.”
Mas, se a irritação diminui quando retiramos o público, talvez o que nos incomoda não seja exatamente a injustiça — e sim a comparação:
“por que ele pode fazer isso e eu não?”
“por que a vida é mais fácil para uns e mais dura para mim?”
Não há vergonha em reconhecer isso.
Esse é justamente o objetivo do exercício: ser honesto consigo mesmo.
Quando falamos das pessoas com deficiência, a pergunta muda de peso
Pessoas com deficiência lidam diariamente com barreiras que quase nunca viram notícia.
São injustiças pequenas, constantes, silenciosas: documentos negados sem critério, atendimentos atravessados por desconfiança, direitos que precisam ser provados a cada passo.
Nada disso aparece na televisão.
E, justamente por não aparecer, cansa mais.
Por isso, para alguém com deficiência, a pergunta ganha outro significado:
“O que me irrita é a injustiça ou o cansaço de sempre ter que lutar pelo mínimo?”
Às vezes, a irritação não vem de ver alguém enriquecer de forma errada.
Vem da sensação de que, para o PcD, tudo exige esforço demais, explicação demais, paciência demais.
Enquanto outros passam ilesos pelas brechas.
Não é inveja.
Não é ressentimento.
É fadiga moral — e é legítima.
Essa diferença importa.
Porque, quando entendemos de onde nasce o nosso incômodo, entendemos melhor a nós mesmos e também a realidade à nossa volta.
No fim, a pergunta serve para uma coisa só
Para descobrir a verdade interna, aquela que não aparece no discurso público.
Se ninguém soubesse dessa injustiça, eu ainda me irritaria?
A resposta disso mostra:
se o que sentimos é princípio ou comparação,
se somos movidos pela ética ou pelo ego,
se estamos indignados com o mundo ou apenas cansados dele.
E essa clareza, por si só, já muda tudo.
Não é para agradar ninguém.
É para enxergar melhor — com leveza, mas sem escapar da sinceridade.
- * Jairo Varella Bianeck é Advogado, Militante do campo progressista e Defensor dos direitos das pessoas com deficiência






