Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental revela que apenas 5,1% da população faz terapia, enquanto 16,6% utiliza medicamentos controlados, indicando a priorização da medicalização em detrimento do acompanhamento psicológico
O Índice Instituto Cactus-Atlas de Saúde Mental (iCASM), realizado pelo Instituto Cactus em parceria com a AtlasIntel, aponta que apenas 5,1% dos brasileiros estão em acompanhamento terapêutico, enquanto 16,6% fazem uso de medicamentos controlados. Os números mostram que um em cada seis cidadãos já recorre à prescrição química, enquanto o acesso à psicoterapia permanece restrito.
Segundo estimativas, mais de 18 milhões de brasileiros convivem com transtornos de ansiedade. O país ocupa a posição de maior prevalência global desse quadro. Em 2021, as vendas de antidepressivos cresceram 58%, consolidando-se entre os remédios mais comercializados no território nacional.
Para a psicóloga Maria Klien, o fenômeno expõe um desequilíbrio estrutural. “Estamos diante de um cenário em que a resposta imediata oferecida pela sociedade é a medicação. O problema é que, ao tratarmos apenas os sintomas, negligenciamos as origens do sofrimento e perpetuamos um ciclo de dependência química em substituição ao cuidado integral” concluiu.
O levantamento também evidencia que 70% da população depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde, que enfrenta limitações em oferecer acompanhamento psicológico regular. A escassez de profissionais e a sobrecarga de demanda contribuem para que a prescrição de fármacos se torne a alternativa mais rápida e acessível, ainda que não enfrente as causas emocionais dos transtornos.
Outro ponto de atenção é que a maioria dos medicamentos, sobretudo antidepressivos, vem sendo consumida sem acompanhamento contínuo, caracterizando processos de automedicação crônica. Tal prática eleva os riscos de dependência, efeitos adversos e mascaramento de situações clínicas complexas.
De acordo com Maria Klien, as consequências desse modelo ultrapassam a esfera individual. “Estamos anestesiando uma geração inteira. A medicalização substituiu a escuta e a elaboração subjetiva, reduzindo o sofrimento humano a uma questão química. Essa escolha compromete a formação de adultos emocionalmente preparados para lidar com as adversidades” ressaltou.
Dados do Ministério da Previdência mostram que, somente em 2024, foram registrados 472 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais, com impacto econômico estimado em R$ 3 bilhões. O fenômeno demonstra que a estratégia centrada em fármacos não impede a sobrecarga emocional nem reduz o adoecimento laboral.
Entre os jovens, a situação é ainda mais crítica. A chamada geração Z concentra o maior consumo de medicamentos controlados, ao mesmo tempo em que apresenta índices elevados de ansiedade, depressão e burnout. A medicalização precoce, sem suporte psicoterápico, sinaliza que o país está formando adultos fragilizados diante das pressões contemporâneas.
Especialistas avaliam que os números refletem não apenas uma crise de saúde mental, mas também um retrato das desigualdades sociais e da ausência de políticas consistentes para ampliar o acesso à psicoterapia. A prevalência da medicação em detrimento da terapia revela uma terceirização coletiva da saúde mental para a indústria farmacêutica.
A psicóloga Maria Klien reforça que a mudança de paradigma é urgente. “Precisamos investir em políticas que democratizem o acesso à terapia, ampliem a prevenção e valorizem a escuta. Sem isso, continuaremos a perpetuar a medicalização da dor, em vez de encarar os fatores sociais e emocionais que a produzem” destacou.





