OPINIÃO
- * Por André Naves
Um dos mais estrondosos versos contra todas as formas de preconceito já produzido está na canção “Sampa”, em que a genialidade de Caetano Veloso nos lembra que “Narciso acha feio o que não é espelho”. Poucas frases descrevem com tanta precisão a miopia que ainda domina boa parte do imaginário brasileiro.
Olhamos para os cargos de liderança, sejam eles públicos ou privados, e vemos uma imagem quase homogênea, um ambiente que, por insistir em espelhar apenas a si mesmo, se torna incapaz de enxergar a beleza e a potência do que é diferente. O resultado? Um cenário desolador! Menos de 1% das pessoas com deficiência ocupam posições de liderança no país.
A Lei de Cotas, instituída em 1991, foi e continua sendo um instrumento civilizatório fundamental. Ela abriu portas que, por séculos, permaneceram trancadas pelo preconceito. Contudo, seu alcance tem se mostrado limitado a ser uma porta de entrada. A escada corporativa, que deveria ser o caminho natural para a ascensão, revela-se cheia de obstáculos excludentes, intransponíveis para muitos.
Devemos frisar que esses obstáculos não são apenas as barreiras físicas, seja pela falta de rampas ou de softwares acessíveis. A barreira mais perversa é a atitudinal. É o capacitismo. A atitude excludente, ainda que velada, nas reuniões, nas avaliações de desempenho e nos processos de promoção.
O recente “Radar da Inclusão” reforça essa realidade: 84% das pessoas com deficiência não ocupam qualquer cargo de liderança, e apenas 2% chegam à alta gestão. O que esses números nos dizem é que as empresas contratam para cumprir a lei, mas hesitam em confiar para liderar.
Eis o grande paradoxo. Em um mundo que clama por inovação como condição de sobrevivência, as empresas deliberadamente se privam de uma das maiores fontes de criatividade: a diversidade.
A inovação não nasce do consenso fácil, do eco de ideias iguais. Ela brota do atrito, do encontro entre visões de mundo distintas, de experiências de vida plurais e de formas diferentes de solucionar problemas. Uma pessoa que navega diariamente por um mundo que não foi desenhado para ela desenvolve uma capacidade de adaptação, resiliência e resolução de problemas que é um ativo inestimável.
Ao excluir o “diferente” de suas mesas de decisão, as lideranças não estão apenas cometendo uma injustiça social; estão praticando uma espécie de suicídio corporativo em câmera lenta. Estão se fechando em uma bolha de pensamentos repetidos, empobrecendo seu repertório estratégico e tornando-se perigosamente vulneráveis à “asfixia criativa”. No fim, condenam-se ao risco real do fenecimento, da perda de relevância e, por fim, da falência.
A inclusão não é um ato de caridade, tampouco um item a mais em um relatório de sustentabilidade. É uma estratégia de negócio vital. É sobre quebrar o espelho de Narciso e ter a coragem de enxergar a força que existe naquilo que não nos é familiar. É entender que uma liderança verdadeiramente forte não é aquela que se vê refletida em todos, mas aquela que sabe orquestrar a multiplicidade de talentos em uma sinfonia coesa e potente.
Está na hora de as empresas brasileiras perceberem que, ao manterem suas portas de liderança fechadas para as pessoas com deficiência, não estão apenas falhando com a sociedade. Estão, acima de tudo, falhando consigo mesmas, com seu futuro e com sua própria capacidade de prosperar. A beleza, afinal, é enxergar. E já passou da hora de abrirmos os olhos.
- * André Naves é Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
Conselheiro do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.
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