Para além das exigências legais, a verdadeira inclusão depende de banheiros adaptados, trajetos acessíveis e planejamento desde a concepção dos eventos
O Brasil tem 14,4 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, segundo o IBGE, mas a infraestrutura de acessibilidade em pequenos e médios eventos continua distante do ideal. Embora a legislação determine a presença de banheiros adaptados, muitos deles não atendem aos parâmetros técnicos da ABNT, seja pelas dimensões reduzidas ou pelas condições inadequadas de instalação. Em um país que movimenta centenas de milhares de eventos por ano, garantir acessibilidade plena não é apenas uma obrigação legal, mas um gesto de responsabilidade social e compromisso com a cidadania.
Entre os principais desafios para garantir a inclusão efetiva estão as condições de instalação e a adequação estrutural dos banheiros adaptados. O correto é que os modelos sigam as dimensões previstas pela ABNT NBR 9050, sem comprometer a mobilidade das cadeiras de rodas e o conforto de uso. Fatores como o tipo de terreno e o acesso ao local, já que superfícies irregulares, rampas muito íngremes ou bases de brita podem inviabilizar a circulação com segurança.
A legislação brasileira obriga a disponibilização de banheiros adaptados em eventos públicos e privados, mas ainda carece de fiscalização efetiva e padronização entre os municípios. A própria Lei nº 10.098/2000, que trata da acessibilidade, e as normas complementares da ABNT NBR 9050, embora detalhadas, não garantem a qualidade das estruturas instaladas. Em muitos casos, o cumprimento ocorre apenas no número de unidades, ignorando aspectos fundamentais como espaço interno, piso nivelado, barras de apoio e acessos seguros para cadeirantes.
Para pessoas com deficiência, a falta de estrutura adequada representa mais do que um desconforto: é um obstáculo à participação plena em atividades sociais, culturais e profissionais. Em eventos de pequeno e médio porte, como shows, festivais ou congressos, a distância entre os banheiros adaptados e as áreas de circulação, somada a obstáculos no trajeto, muitas vezes torna o uso inviável. Especialistas apontam que acessibilidade não se resume a oferecer equipamentos específicos, mas a criar condições iguais de autonomia e conforto — algo que ainda precisa avançar muito no setor de eventos.
Diante desse cenário, iniciativas do setor privado têm buscado elevar o padrão de acessibilidade, adotando alternativas que vão além do mínimo exigido. Para Wéber Moreira, sócio e fundador da Ativa Locação, essa é uma transformação necessária. “A acessibilidade precisa ser pensada desde o planejamento do evento, e não como um detalhe operacional. Garantir banheiros realmente adaptados e instalados em locais adequados é parte de um compromisso coletivo com a inclusão”, afirma.
A NBR 9050, norma brasileira que estabelece os critérios técnicos de acessibilidade, define parâmetros que vão muito além da presença física de um banheiro adaptado. Entre as exigências estão o espaço interno livre de 1,50 metro de diâmetro, que permite a manobra completa de uma cadeira de rodas, portas com vão mínimo de 80 centímetros, barras de apoio horizontais ou verticais instaladas em alturas específicas e pisos nivelados e antiderrapantes. Esses detalhes técnicos são determinantes para garantir autonomia e segurança às pessoas com deficiência, especialmente em contextos de alta circulação, como eventos de pequeno e médio porte. A adequação a essas medidas, portanto, não é um diferencial, mas um requisito básico para que a experiência de uso seja realmente acessível.
A norma reforça que a acessibilidade não se limita ao interior do banheiro, mas se estende a todo o percurso até ele. Rampas com inclinação adequada, superfícies firmes e estáveis, ausência de degraus e evitação de pisos irregulares, como brita, areia ou barro, são condições indispensáveis para garantir que o acesso ocorra com segurança, autonomia e independência. É fundamental que os trajetos sejam contínuos, bem sinalizados e livres de obstáculos. Em muitos eventos, no entanto, esses critérios ainda são negligenciados, comprometendo a autonomia do público com mobilidade reduzida. Quando esses parâmetros são respeitados, o resultado é mais do que conformidade técnica: é inclusão efetiva, um ambiente em que todos podem circular e participar em igualdade de condições. ”A acessibilidade precisa ser pensada do início ao fim da experiência. Não adianta ter um banheiro adaptado se o caminho até ele é inacessível. O compromisso precisa estar em cada detalhe do percurso”, destaca Moreira.
A evolução da acessibilidade em eventos precisa passar também por fiscalização mais rigorosa e capacitação técnica dos organizadores. Em muitos casos, a ausência de treinamento específico faz com que as normas sejam interpretadas parcialmente, resultando em instalações que não atendem às condições mínimas de uso por pessoas com deficiência.
A iniciativa privada tem um papel decisivo nessa transformação. Ao investir em produtos e práticas alinhadas às normas internacionais, o setor contribui para consolidar uma cultura de acessibilidade e inclusão que ainda está em construção no Brasil. “As empresas que atuam nesse segmento precisam entender que acessibilidade não é custo, é investimento. Cada estrutura bem planejada representa um passo concreto para uma sociedade mais justa e preparada para receber todos os públicos”, destaca Moreira.
Tornar a acessibilidade uma realidade plena exige mais do que leis e normas: requer compromisso contínuo entre empresas, organizadores e autoridades. Quando a inclusão é tratada como valor central — e não como exigência burocrática —, cada evento se transforma em um espaço de convivência, respeito e cidadania.




