Atravessando ruas, atravessando identidades

Atravessando ruas, atravessando identidades OPINIÃO - * Por Marina Yonashiro

OPINIÃO

  • * Por Por Marina Yonashiro

A maioria de nós, mulheres, temos medo de andar sozinha à noite. Seguimos atentas pelas calçadas escolhendo, quando possível, caminhos com boa iluminação, às vezes indo de ônibus, mesmo se a distância é curta.

Quando essa mulher tem alguma deficiência, as possibilidades de se sentir mais segura diminuem. A mulher que usa cadeira de rodas, por exemplo, depende que as calçadas não sejam esburacadas ou cheias de degraus.

Eu, que sou mulher com deficiência visual, já passei por algumas situações em que “só” ser mulher e “só” ser pessoa com deficiência visual não bastavam para explicar meu desconforto. Homens que me oferecem ajuda para atravessar uma, depois duas, depois três ruas… e de repente querem me acompanhar até a porta de casa. Respondo com tom descontraído: “Não, que isso? Não precisa. Eu sei o caminho”. O desespero começa a aflorar quando o homem insiste, dizendo que não seria nenhum problema.

Como me desvencilhar de uma pessoa que, por excesso de boas ou más intenções, vai conhecer o trajeto que faço, a hora que faço, e de quebra saber onde moro? Soma-se a isso o fato de que depois eu nem posso evitar cruzar com ele de forma intencional porque não conseguirei vê-lo na rua.

A vivência faz com que criemos estratégias para escapar dessas situações. Conversar com mulheres que também passam por isso me fez crescer muito, e me fez entender de verdade o que é interseccionalidade.

Interseccionalidade no mercado de trabalho: em qual caixinha eu vou caber?

No mercado de trabalho, é uma prática comum ter vagas afirmativas para mulheres e outras, para pessoas com deficiência. Eu já me inscrevi em vagas afirmativas para mulheres. Na entrevista, ao descobrirem que tenho deficiência, é sempre uma surpresa. Claramente, eu não sou a imagem de mulher que eles esperavam para a vaga.

Essas situações já aconteceram, inclusive, em casos em que eu deixei explícito no espaço dedicado à minha apresentação que tenho deficiência. Eu já me questionei se a “culpa” era minha por não ter deixado a informação em um outro lugar com mais destaque.

Uma sociedade pouco inclusiva faz isso com a gente: faz com que nós, que não nos encaixamos, nos sintamos culpadas e culpados por sermos quem somos.

Afinal de contas, sou eu que preciso entender o que esperam de “ser mulher” e alertar de que não sou essa imagem, ou são as pessoas que precisam entender que “ser mulher” é muito mais do que o imaginário aponta?

Eu precisei de muita vivência para conseguir separar a expectativa do outro e o que eu de fato quero ser. Na próxima parte, vou relatar um pouco de como lido com esses choques, a sensação incômoda de não se encaixar e como tento não ser simplificada em um mundo de simplificações.

  • Marina Yonashiro é jornalista de formação e analista de tecnologia de profissão. Perdeu a visão com 11 anos e, desde então, entende pela própria vivência o que é acessibilidade. A partir dos 21 anos, começou a trabalhar com o tema. Seu foco hoje é em acessibilidade digital, já tendo atuado nas áreas financeira, da educação e do varejo. Pós-graduada em liderança e inovação, busca despertar propósito nas pessoas falando de acessibilidade real e seus impactos na vida de pessoas reais.

Artigo originalmente publicado em

https://atitudeinclusiva.com.br/atravessando-ruas-atravessando-identidades

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