OPINIÃO
- Por Beto Pereira
Uma das coisas que mais me deixam indignado é o fato de que, mesmo com todo o avanço das tecnologias sociais e das discussões sobre inclusão e acessibilidade, nós, pessoas cegas, com baixa visão e outras deficiências, ainda precisamos provar nossa capacidade todos os dias. Isso cansa e, em algum momento, a gente pode acabar explodindo.
Não importa nossa classe social, o grau de instrução, os cargos que ocupamos ou a trajetória que construímos. Para algumas pessoas, continuamos sendo vistos como os “ceguinhos”, “doidinhos” ou “aleijadinhos” e como seres frágeis, incapazes ou, no extremo oposto, como “exemplos de superação” por fazer o básico.
Para mim, nenhum dos dois olhares nos serve. Ambos são violências disfarçadas. Ambos são formas de capacitismo e de tutela.
É frustrante perceber que, mesmo com nossas competências, autonomia e voz, ainda existem alguns que duvidam e até tentam negar o direito consagrado e assegurado que temos de pensar por conta própria, de analisar cenários, de fazer escolhas e de ter nossas próprias ideias. Isso, talvez ocorra porque, em seus cotidianos, para essas mesmas pessoas, seja prática comum exercer o controle e o poder sobre outrem para perpetuar a dominação
O que mais choca é que tais posturas, por vezes, emergem justamente de alguns profissionais que deveriam ter, no mínimo, conhecimento básico sobre inclusão e acessibilidade e, por mais que possa parecer estranho, não é raro nos depararmos com essas pessoas em instâncias de participações sociais ou funções públicas, como, por exemplo, na assistência social, na educação, na saúde, na justiça… sempre insistindo em nos enxergar por lentes distorcidas, como se fôssemos incapazes ou eternamente tuteláveis.
Tais posturas preconceituosas e discriminatórias não apenas nos ferem individualmente, mas reforçam uma estrutura social na qual alguns mandam e outros obedecem, alguns dominam e outros são sistematicamente dominados. Isso precisa ser enfrentado com urgência e coragem.
Nós, pessoas com deficiência, somos feitos de muitas camadas, como qualquer outro ser humano. Somos negros, população indígena, povos e comunidades tradicionais, LGBTQIA+, imigrantes, cristãos, ateus, pessoas em situação de rua, pessoas de religiões de matriz africana, dentre outras. É exatamente por isso que exigimos ser respeitados como tal, em nossa totalidade, com todas as complexidades e contradições que fazem parte de cada um de nós e de nossas especificidades.
Somos pessoas com repertório, com vivências, com opiniões. E temos o direito de sermos ouvidos, respeitados e considerados como sujeitos plenos. Isso não é favor, mas é direito que consta em inúmeros instrumentos jurídicos, inclusive na própria Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Por isso, respeitem nossas potências, nossas escolhas, nossas vozes.
Chega de capacitismo disfarçado de cuidado!
Chega de tutela em ambientes nos quais, mesmo com as disputas políticas, deveria haver parceria e, quando ela não for possível, pelo menos respeito!
Chega de se apropriarem de nossa pauta!
Basta de considerar os usuários e os trabalhadores das políticas públicas como meros coadjuvantes!
Chega de invisibilização em espaços nos quais deveria haver escuta e protagonismo e nos quais, por exemplo, o racismo deveria ser verdadeiramente combatido, sem apropriação indevida de pauta só para se mostrar politicamente correto!
O respeito às especificidades das pessoas com deficiência perpassa questões de direita, centro ou esquerda. É questão de humanidade, de caráter e de ética.
Esse é meu grito, de pessoa com alguns privilégios, certamente, e é resultado de uma dor que é bem menor do que a de outras milhões de pessoas postas em situações de maior vulnerabilidade. Também é o grito de alguém que, seja pelas responsabilidades da representatividade que exerce e pela própria consciência situacional, política e social que possui, é cobrado, se cobra e às vezes se sente incapaz de mudar o mundo como sonha e gostaria. E isso pode até adoecer.
Que o capacitismo, o preconceito, a discriminação, o racismo, a homofobia, a misoginia em todas as suas formas sejam banidas da sociedade, sobretudo dos espaços que devem combatê-los.
Eu tenho muito a dizer, e se for preciso, direi nomes, sobrenomes, órgãos e organizações. Seja por mim, seja por nós. Nunca me calarei e nunca deixarei que me calem. Como afirmou Friedrich Nietzsche: “Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse”.
- Beto Pereira é presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil. É sociólogo, jornalista e pessoa com deficiência. Artigo atualizado em 22 de julho de 2025.

Descrição da imagem: Beto Pereira segura o microfone com a logomarca da Rádio ONCB. Ele veste uma camisa preta com a sigla ONCB em branco. Ao fundo, jornalistas em uma sala de redação.