Criação do Código Brasileiro de Inclusão divide a sociedade e tramita em regime especial na Câmara dos Deputados
Tramita em Regime Especial na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2661 de 2025, apresentado pela Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que substitui a proposta anterior, que foi arquivada por estar com apenas alguns trechos para a Consolidação das Leis Brasileiras de Inclusão.
O Deputado Federal Duarte Junior foi designado como relator do tema pelo Grupo de Trabalho para Consolidação da Legislação Brasileira. O projeto tramitará ainda pela Comissão de Constituição e Justiça para depois ser debatido e votado pelo plenário da Câmara dos Deputados. Em seguida, seguirá para sanção ou veto presidencial.
De acordo com os parlamentares autores da proposta – membros da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, acontecerão audiências públicas em todas as regiões brasileiras para repercutir com a sociedade a proposta da unificação das legislações.
Há uma forte resistência do segmento para a propositura.
Para Duarte Junior, “o CBI não criará novas leis, a sua tramitação no Congresso será célere. O trabalho da formulação deste código é basicamente unir todas as legislações sobre este tema já vigentes e concentrar tudo em um único texto. Por este motivo, o Congresso tem agora a responsabilidade de garantir celeridade à tramitação do Código, colocando-o como prioridade. Não se trata de um favor, mas de reparar uma omissão histórica. A população com deficiência ainda é invisibilizada em muitos espaços e carrega o peso da exclusão em áreas como educação, trabalho, transporte, saúde e cultura. Postergar a aprovação deste Código representará mais sofrimento para aqueles que mais precisam de ajuda para exercer seus direitos. Por isso, como presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, fui incumbido de coordenar os trabalhos do grupo de trabalho que irá preparar este texto. Durante este processo, não medirei esforços para construir consensos que garantam agilidade e qualidade no avanço do CBI. Daí a necessidade de contar com o respaldo de parlamentares, sociedade civil e instituições públicas”.
REPERCUSSÃO EM TODO O BRASIL – Em audiência realizada anteriormente para debater a primeira versão da proposta, vários segmentos da sociedade se manifestaram sobre o tema.
Para o deputado federal Amom Mandel – vice presidente da Comisaão, “unir a legislação em um só local ajudará os legisladores a perceber lacunas sobre o assunto em diversas leis e, assim, repará-los. Um exemplo é o crime de discriminação contra a pessoa com deficiência e a Lei Berenice Piana, que instituiu a equiparação da pessoa com Transtorno do Espectro Autista à pessoa com deficiência. Apesar de existir esses dois dispositivos legais que demonstram inclusão, a tipificação não cita expressamente os autistas e a equiparação ocorreu após a aprovação penal, somente em 2012. Então, não é possível que a pessoa que cometa uma discriminação contra um autista seja penalizada e criminalizada de acordo com esse dispositivo legal. Um código consolida as leis e torna mais fácil o acesso de todos, tanto dos legisladores, quanto da população, principalmente para contornar gaps como esse”.
A Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella, destacou que o foco do país não deve ser a construção de uma nova legislação, mas, sim, o cumprimento da LBI (Lei 13.146/2015). “A elaboração dessa legislação teve início no ano 2000, mas seu andamento foi interrompido temporariamente para que pudesse ser atualizado de acordo com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Foram 15 anos de construção coletiva, marcados por intensas mobilizações sociais, articulações políticas e a contribuição de muitas pessoas do Brasil inteiro — algumas das quais já não estão entre nós, mas deixaram como legado a defesa incondicional da inclusão. Esse é um compromisso que honramos e que precisamos levar adiante: fortalecer a LBI e garantir sua plena implementação. O caminho é daqui para frente”, disse.
Izabel Maior ex-Secretária Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência destacou que é por meio da conscientização e do fortalecimento da legislação existente que se consolidam os direitos. “As leis atuais contam a história das pessoas com deficiência. A lei do cão guia, da acessibilidade e a LBI, contam momentos importantes da nossa trajetória. Por isso, precisamos fazer com que essas legislações evoluam. Uma proposta importante seria transformar a própria LBI em linguagem simples. A criação de um Código Brasileiro de Inclusão abre brecha à possibilidade de tentarem derrubar tudo o que já conquistamos”, alertou.
Gerson Hilber, representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Distrito Federal (OAB/DF), destacou a importância de cumprir a legislação em vigor, em vez de propor novas normas que não dialogam com a realidade das pessoas com deficiência. “Precisamos de medidas práticas e reais para garantir a inclusão das pessoas com deficiência no dia a dia. Como uma pessoa surda faz compras no mercado? Como uma pessoa cadeirante experimenta roupas em uma loja?”.
A advogada Maria Aparecida Gugel, representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Idosos (AMPID), havia defendido o arquivamento do Projeto de Lei 1.584/2024 (CBI). “Precisamos tomar a LBI, identificar suas falhas, lacunas e avaliar as demais legislações. A partir daí, sim, elaborar novas leis”.
Ana Cláudia Figueiredo, Representante da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, destacou que muitos grupos são contrários ao CBI. “Já temos 2.900 assinaturas e 150 adesões de pessoas jurídicas, todas contra o PL. Defendemos a LBI e outras leis históricas. Elas fazem parte da história do movimento. Defendemos a LBI dos retrocessos que virão com a aprovação do projeto. É desnecessário e inoportuno. Não é o que o movimento precisa, não é o que o movimento quer”.
Para a Senadora Mara Gabrilli, “não é modernização quando se desmonta uma legislação construída com tanto esforço coletivo. A LBI representa uma conquista histórica, que não pode ser colocada em risco. Revogar essas leis é criar uma porta para retrocessos, porque qualquer novo texto estará sujeito a emendas que podem suprimir garantias essenciais”.
Para Rubinho Linhares, Coordenador Nacional do Setorial das Pessoas com Deficiência do PT, “tal proposta, apresentada como uma modernização do marco legal, representa, na verdade, uma tentativa de desmonte do mais importante instrumento jurídico de proteção e garantia de direitos das pessoas com deficiência no Brasil. O PL, ao propor a revogação de dispositivos essenciais da LBI, como o Artigo 98, que protege o trabalhador com deficiência da dispensa arbitrária, e ao eliminar normas históricas como a Lei da Acessibilidade (Lei 10.098/2000), incluindo a Lei do Passe Livre Interestadual cria um ambiente de insegurança jurídica, fere direitos consolidados e abre brechas para retrocessos perigosos. Essa proposta compromete o legado de inclusão e igualdade construído com tanto esforço pelas pessoas com deficiência em nosso país”
O Gabinete do Senador Romário solicitou a elaboração de nota informativa sobre a proposta que consolida as Leis Brasileiras de Inclusão da Pessoa com Deficiência”. O documento assinado por Adrielle Fregate da Silva, Consultora Legislativa do Senado Federal, cita que “na justificação, destaca-se que o objetivo da proposição é facilitar o acesso das pessoas com deficiência e de seus familiares aos seus direitos, atualizar e simplificar a linguagem e promover a eficácia da legislação, por meio de consolidação que reúna, em um único corpo legal, o maior número possível de disposições normativas relativas aos direitos das pessoas com deficiência. Além disso, reforça-se que o trabalho realizado possui compromisso com todos os direitos já conquistados, sobretudo com os marcos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e que, tratando-se de consolidação, não se permite a inovação em termos de conteúdo normativo, o que garante que as mudanças empreendidas serão realizadas para promover a eficácia dos direitos já conquistados, jamais retroceder”
André Naves, Defensor Público Federal afirmou que “em um cenário político marcado por retrocessos nas pautas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), a iniciativa do deputado federal Duarte Jr. de querer propor o Código Brasileiro de Inclusão surge como um contraponto essencial, reafirmando o compromisso do Estado com a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Assim, o eventual novo Código Brasileiro de Inclusão, ao sistematizar e unificar os diversos dispositivos constitucionais e legais já existentes – como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), a Lei Berenice Piana (que trata sobre os direitos das pessoas do transtorno do espectro do autismo) e a Convenção de Nova Iorque sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, entre tantas outras… –, cumpre um papel fundamental: tirar a lei do papel e transformá-la em políticas públicas efetivas, que tratem de produzir efeitos concretos na realidade”.
Para o Coletivo Feminista Helen Keller, outro aspecto importante e que cabe destaque é o fato de o deputado impor essa mudança de forma acelerada e, principalmente, sem diálogo com as pessoas com deficiência, justamente o público diretamente afetado e prejudicado pela medida. Isso fere o direito constitucional de participação democrática e escancara a exclusão de vozes que deveriam estar no centro do debate.
Em artigo, Duarte Junior escreveu que “mais do que uma nova proposta legislativa, o Código será um instrumento de justiça social. Ele buscará garantir que as pessoas com deficiência possam ler, compreender e cobrar os seus direitos o que, hoje, ainda é um desafio, diante da linguagem técnica e fragmentada da legislação atual. É necessário que as pessoas com deficiência possam facilmente ler e compreender para poder exigir seus direitos. A verdadeira inclusão só começa quando o cidadão conhece o que lhe é garantido e sabe como lutar por isso. Por este motivo, a essência do Código será tornar os direitos das pessoas com deficiência mais acessíveis, permitindo que elas exerçam a sua cidadania. Neste contexto, o Código surge como um marco legal para assegurar que, independentemente do governo ou conjuntura, os direitos conquistados não sejam desfeitos por decisões políticas ou econômicas. O texto tem vai ajudar a fortalecer políticas públicas e impedir retrocessos futuros”.
Confira a íntegra do PL 2662/2025