OPINIÃO
- * Por Valmir de Souza
Hoje, ainda é comum nos deparar com pessoas sofrendo e fazendo bullying, seja pela condição social, sensorial, intelectual, mental ou física. Isso, infelizmente, não se reduz a círculos pequenos. Há pouco, a atriz Haonê Thinar, que tem se destacado em uma novela na maior emissora do país, também declarou ter sido vítima de preconceito por sua condição física.
A atriz de 33 anos, que não tem uma das pernas porque na infância foi diagnosticada com osteossarcoma (câncer nos ossos) e teve de amputar o membro, deu entrevistas falando que seus colegas da época da escola eram muito cruéis com ela. Xingamentos, humilhações faziam parte de seu cotidiano.
Este é só um caso emblemático para tratarmos de uma questão que precisa ser trabalhada e repensada por toda a sociedade. O bullying é um fenômeno que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, e as vítimas incluem, de maneira significativa, pessoas com deficiência física, sensorial, intelectual e mental. Este comportamento agressivo, que se manifesta de várias formas, causa danos não apenas às vítimas, mas também repercussões negativas para a sociedade como um todo.
O bullying pode se manifestar de diversas maneiras, cada uma com suas especificidades e consequência. O bullying verbal, por exemplo, inclui insultos, piadas ofensivas e comentários depreciativos relacionados à deficiência da pessoa. Esses ataques prejudicam a dignidade e a autoestima das vítimas, contribuindo para um ambiente hostil. Já o bullying físico se caracteriza por agressões, empurrões e outras formas de violência física que são uma realidade para muitos. Essas ações não causam apenas dor física, mas também criam um clima de medo e insegurança. Isso tudo somado ao bullying social. A exclusão de atividades, o isolamento em grupos e as fofocas abordadas são maneiras pelas quais indivíduos com deficiência podem ser marginalizados. Esse tipo de bullying pode ser uma forma insidiosa de agressão, dificultando a inclusão social da vítima.
Em plena era digital, não podemos esquecer ainda do Ciberbullying, que tem se tornado uma preocupação crescente. O uso dessas plataformas para assessorar ou humilhar pessoas com deficiência pode ser devastador, uma vez que a agressão é muitas vezes anônima e frequente. Prova disso, é que a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência aprovou projeto de lei que cria campanha nacional de prevenção e combate a crimes digitais contra crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. O foco é o uso indevido de ferramentas de inteligência artificial (IA).
O objetivo é ampliar a prevenção e reduzir a vulnerabilidade diante de ameaças virtuais, pois o uso malicioso da tecnologia abre espaço para novas modalidades de crimes, como manipulação de dados, criação de imagens falsas (deepfakes), desinformação e aliciamento de menores em plataformas digitais. A iniciativa, que prevê ações como palestras, congressos e seminários sobre ética e riscos de crimes digitais; distribuição de materiais informativos, busca não só conscientizar as pessoas, mas também capacitar profissionais da educação para identificar crimes digitais contra crianças, adolescentes e pessoas com deficiência.
A proposta, que para virar lei, precisa ser aprovada pela Câmara e pelo Senado, vai direto ao ponto, pois os impactos contra PCDs podem ser ainda mais profundos e duradouros. São efeitos na saúde mental, como ansiedade, depressão e baixa autoestima; na saúde física, pois o estresse causado por situações de bullying pode resultar em problemas físicos, como distúrbios alimentares, insônia e até condições cardíacas; além de consequências no desempenho escolar e profissional, já que a exclusão e a intimidação podem variar em termos do rendimento escolar e da capacidade de sucesso no trabalho, aumentando as barreiras que já existem para pessoas com deficiência.
Os efeitos do bullying contra pessoas com deficiência vão além dos indivíduos afetados e permeiam a sociedade como um todo, pois a perpetuação de estereótipos negativos contribui para uma cultura de exclusão e discriminação. Isso resulta na marginalização de pessoas com deficiência, limitando suas oportunidades e direitos. É importante que tenhamos consciência que a falta de empatia e compreensão em relação às deficiências pode resultar em políticas públicas inconvenientes e na não implementação de práticas que promovam a inclusão social.
Pessoas surdas, por exemplo, sofrem muito com isolamento e exclusão, sendo muitas vezes alvos de zombarias e desrespeito de colegas ouvintes, o que pode levar ao isolamento social, o que inclui, ainda, gestos que imitam a surdez e a exclusão de conversas, fato que agrava o sentimento de solidão e ansiedade. é importante ressaltar que a falta de competições e aprendizado da Língua Brasileira de Sinais (Libras) nas escolas impede um convívio respeitoso e inclusivo. O mesmo acontece em casos de nanismo, pois muitos relatam ser agredidos com apelidos como “monstrinho”, desde a infância. Essa forma de bullying pode ocorrer em várias etapas da vida, não se limitando apenas ao ambiente escolar. Para lidar com o preconceito, muitos, inclusive, desenvolvem uma “armadura emocional”, aprendendo a ignorar ofensas. No entanto, isso pode ter um custo emocional alto, levando a problemas de saúde mental e limitando suas experiências e relacionamentos.
O bullying constante pode deixar marcas profundas, afetando a autoconfiança e a oportunidade de desenvolvimento pessoal. Este comportamento, contra pessoas com deficiência, é um problema que exige atenção e ação urgente. Reconhecer e combater essa prática é fundamental não apenas para proteger as vítimas, mas para construir uma sociedade mais justa e inclusiva. Programas de conscientização e educação são essenciais, mas a luta contra o bullying deve ser um esforço coletivo, transformando a cultura de intolerância em uma de respeito e acessível das diversidades.
(*) Valmir de Souza é COO da Biomob, startup especializada em consultoria para acessibilidade arquitetônica, digital e atitudinal; criação e adaptação de sites e aplicativos às normas de acessibilidade; além de atuar na capacitação de pessoas com deficiência para o mercado de trabalho.