Assegurar direitos em todos os contextos, inclusive nas emergências, é condição para uma sociedade verdadeiramente inclusiva
OPINIÃO
- * Por Ciça Cordeiro
De 21 a 28 de agosto acontece a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, criada para promover conscientização, debater políticas públicas e dar visibilidade a milhões de brasileiros que ainda enfrentam barreiras cotidianas. Mas, afinal, o que significa deficiência intelectual e deficiência múltipla? E por que precisamos falar sobre isso com tanta urgência?
Deficiência Intelectual caracteriza-se por limitações significativas no funcionamento intelectual (como raciocínio, aprendizado e resolução de problemas) e no comportamento adaptativo, que abrange habilidades sociais e práticas necessárias para a vida diária.
Já a Deficiência Múltipla ocorre quando uma pessoa apresenta mais de um tipo de deficiência (por exemplo, intelectual associada à física, sensorial ou motora), o que torna seus desafios ainda mais complexos.
Essas condições não anulam a capacidade, o potencial e o direito à participação plena dessas pessoas na sociedade. O que limita não é a deficiência, mas as barreiras sociais, culturais e institucionais que persistem.
Segundo o Censo de 2022 (IBGE), o Brasil possui 14,4 milhões de pessoas com deficiência, o que representa 7,3% da população com 2 anos ou mais. Desse total, cerca de 1,3 milhão têm deficiência intelectual. Sabemos, no entanto, que esses números estão subestimados e que a realidade brasileira é ainda mais complexa. Infelizmente, nossa sociedade continua despreparada para assegurar oportunidades, acesso e dignidade para esse grupo.
O cenário atual: desafios e barreiras
- Educação: Apesar dos avanços legais, muitas escolas ainda não são inclusivas de fato. Faltam professores capacitados, infraestrutura acessível e materiais pedagógicos adaptados.
- Mercado de trabalho: O índice de desemprego entre pessoas com deficiência intelectual e múltipla é altíssimo. Além da falta de oportunidades, persistem o preconceito e o desconhecimento sobre como promover a inclusão profissional de forma respeitosa e eficaz.
- Saúde: Muitas famílias relatam a dificuldade de encontrar profissionais especializados e o acesso precário a terapias e tratamentos contínuos pelo sistema público.
- Inclusão social: A falta de acessibilidade em espaços públicos, o despreparo de profissionais, a invisibilidade social e o capacitismo tornam o cotidiano dessas pessoas e suas famílias ainda mais desafiador.
Apesar dos muitos desafios, é preciso reconhecer os avanços. O marco mais importante é a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), que assegura direitos, autonomia e participação plena das pessoas com deficiência, deixando claro que deficiência não significa incapacidade. Também merece destaque o papel essencial da sociedade civil, com entidades como as APAEs, federações e ONGs que fortalecem a luta por inclusão e apoiam famílias em todo o país.
Resgate Inclusivo: por dignidade também em situações de crise
A inclusão só será real quando essas pessoas deixarem de ser vistas como “dependentes” e passarem a ocupar espaços de protagonismo.
Casos recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, outros desastres climáticos, ou a agressão sofrida por um paciente em surto psiquiátrico em Santana do Seridó (RN), expõem o despreparo do Estado. Em emergências, muitas vezes essas pessoas são levadas a abrigos sem acessibilidade, sem cuidados adequados e sem respeito às suas necessidades. É esse ciclo que o Projeto Resgate Inclusivo (PRI) quer transformar.
O PRI surge para assegurar a acessibilidade e a participação em todas as etapas da gestão de riscos, assegurar o direito humano à informação, capacitar multiplicadores e incidir em políticas públicas inclusivas. O objetivo é que pessoas com deficiência — inclusive intelectual e múltipla — sejam sempre atendidas com respeito, segurança e dignidade.
O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para que a inclusão das pessoas com deficiência intelectual e múltipla seja realidade.
É urgente:
- Eliminar barreiras na educação, no trabalho, na saúde e no convívio social.
- Cumprir e ampliar a legislação, transformando direitos em práticas.
- Preparar o Estado e a sociedade civil para agir com respeito também em situações de crise.
A inclusão vai muito além da lei. É um compromisso humano e social. Cabe a cada um de nós ser um agente de mudança — apoiando políticas públicas, combatendo preconceitos, levando informação e, sobretudo, reconhecendo a dignidade e o valor de todas as pessoas.
- Ciça Cordeiro é consultora em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão
- Artigo originalmente publicado em
- https://www.linkedin.com/pulse/semana-nacional-da-pessoa-com-defici%C3%AAncia-intelectual-ge2xf/?trackingId=6oONvC3MQx6nRR2tHUUmWQ%3D%3D