O CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, desde novembro de 2021, faz um alerta sobre a gravidade do TEMA 1046. Acompanhe a NOTA OFICIAL divulgada pelo entidade.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, órgão colegiado
de caráter deliberativo e controlador das ações de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e
do adolescente, integrante da estrutura básica da Presidência da República, previsto no art. 88 da Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, criado pela Lei nº 8.242, de 12 de
outubro de 1991 e regulamentado pelo Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018.
CONSIDERANDO que se encontra em julgamento perante o STF o Tema 1046, de
Repercussão Geral, que versa sobre a validade de norma coletiva do trabalho que limita ou restringe
direito trabalhista, no qual em parte das decisões monocráticas tem sido reconhecida a aderência da
discussão sobre a possibilidade de negociações coletivas reduzirem as cotas destinadas a pessoas com
deficiência e a aprendizes;
CONSIDERANDO que, parcela dos empregadores e sindicatos vêm firmando instrumentos
coletivos que incluem cláusulas para excluir ocupações da base de cálculo das cotas de aprendizagem e
de pessoas com deficiência, de forma a reduzir o percentual mínimo das cotas, diminuindo,
consequentemente, o número de vagas a serem preenchidas por trabalhadores com deficiência e por
trabalhadores aprendizes, casos que já vem gerando efeitos com efetiva redução das aludidas cotas,
pendente a resolução judicial do mérito da questão;
CONSIDERANDO que, há no Brasil 443.124 pessoas com deficiência com vínculo formal de
trabalho, das quais 91,16% estão contratadas justamente por empresas obrigadas ao cumprimento da
cota prevista no art. 93 da Lei 8.213, de 1991;
CONSIDERANDO que, de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Previdência, em
junho de 2021 existiam 451.228 aprendizes contratados no Brasil. Estima-se que 98% desses aprendizes
estão em empresas obrigadas ao cumprimento legal de cotas de aprendizagem;
CONSIDERANDO que o direito à profissionalização do adolescente encontra inúmeras
barreiras para sua efetivação, em especial do adolescente com deficiência, e que este direito encontra
hoje ampla sustentação da política pública de aprendizagem profissional;
CONSIDERANDO que, as cotas de pessoas com deficiência e aprendizes são políticas
públicas, que vêm se mostrando eficazes, promovendo efetiva inclusão de milhões de pessoas ao longo
dos últimos anos, e encontram-se ameaçadas pela persistência da negociação entre empregadores e
sindicatos, que são entidades privadas e não possuem legitimidade para dispor do direito alheio, em
especial o direito com assento constitucional;
CONSIDERANDO que, dentre as atribuições deste Colegiado, está a de “emitir resoluções,
notas públicas e recomendações relacionadas a temática dos direitos das crianças e dos adolescentes”
(art. 3º, inc. XIX, da Res. Conanda 217/2018);
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, no exercício de
sua atribuição de controle social das políticas públicas infantojuvenis, entende pela não aderência
temática das negociações de cotas de pessoas com deficiência e aprendizagem ao tema 1046, com o
consequente reconhecimento da inconstitucionalidade de cláusulas coletivas que versem sobre os
mesmos, pelas seguintes razões e fundamentos:
As cláusulas coletivas ora questionadas ferem frontalmente os princípios constitucionais da
proteção integral e da prioridade absoluta, insculpidos no artigo 227 da Constituição Federal, que
determina que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização […]”.
Assim, estabeleceu o constituinte que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos
em desenvolvimento, impondo a todos o dever de assegurar-lhes os direitos fundamentais e sociais com
prioridade absoluta, incluindo a profissionalização dos jovens e adolescentes.
Neste sentido, a aprendizagem profissional tem se mostrado uma política pública bem sucedida e pilar do direito à profissionalização, conjugando educação com atividade laboral e renda, buscando o desenvolvimento do adolescente, bem como prepará-lo para a conquista de sua autonomia,
com observância de sua condição especial de pessoa em desenvolvimento. Não bastasse, o conjunto de
normas que estruturam a aprendizagem profissional, além de efetivar o direito à profissionalização de
adolescentes, age como reconhecida estratégia de combate ao trabalho infantil, realidade ainda cruel de
crianças e adolescentes privados dos seus direitos fundamentais básicos, como o acesso à escola e
cuidados essenciais.
A previsão do trabalho na condição de aprendiz ao adolescente ainda encontra
guarida no artigo 7º da Constituição Federal, referência dos direitos sociais dos trabalhadores, onde se
prevê também a não discriminação da pessoa com deficiência.
Desta feita, reconhece-se, portanto, que as normas coletivas que propõem a redução das
cotas de atendimento às pessoas com deficiência violam o art. 5º da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência das Nações Unidas, cuja ratificação lhe garante estatura constitucional. Isto
porque a participação das pessoas com deficiência no mercado de trabalho brasileiro, como visto, resulta
na prática quase exclusivamente da ação afirmativa referida, bem como de sua consequente fiscalização.
Desta feita, resta imperativa a salvaguarda dos direitos dessa população com suas características
especiais, sobremaneira do adolescente com deficiência, ainda mais vulnerável e necessitado das
políticas públicas ameaçadas no julgamento em caso.
Por fim, resta invocar a vedação ao retrocesso social, princípio consagrado no art. 26 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Pacto de San José da Costa Rica, reafirmando a
inconstitucionalidade inerente à flexibilização advinda de negociações individuais ou coletivas entre
empregadores e sindicatos que possam pôr fim de fato às políticas públicas ora estabelecidas e em
funcionamento. Conclui-se, portanto, que o direito à profissionalização do adolescente, bem como a
inclusão no mundo do trabalho das pessoas com deficiência, conforma imperativos constitucionais
imprescindíveis para garantia do patamar civilizatório mínimo, de modo que não se se sujeitam à
disponibilidade do direito individual ou coletivo do trabalho, dada sua natureza de direito fundamental
de inquestionável estatura constitucional.
Pelo conjunto destas razões e fundamentos, o Conanda ainda manifesta aderência e
reitera, nessa oportunidade, os argumentos lançados pela “CARTA ABERTA AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL” de 27 de agosto de 2021, assinada por 234 organizações da sociedade civil, instituições, fóruns, movimentos, redes, comissões e conselhos, requerendo aos excelentíssimos
Ministros o reconhecimento da manifesta inconstitucionalidade de cláusulas coletivas que prevejam a
redução da obrigação de cumprimento das cotas mínimas reservadas às pessoas com deficiência e a
aprendizagem profissional.
FERNANDA RAMOS MONTEIRO
Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente