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  • ter. maio 14th, 2024
OPINIÃO - Autismo às avessas. * Por Felipe Gruetzmacher
  • Por Felipe Emílio Gruetzmacher

Sou Felipe Emílio Gruetzmacher, um autista adulto de 34 anos. Com essas palavras, quero trazer relatos sobre minha vida e debater as várias manifestações do espectro autista.

Na minha infância razoavelmente feliz, nunca me senti diferente das demais pessoas, apesar de ser bastante quieto e amante de leituras, enquanto as demais crianças preferiam o futebol.

Quando cresci e ingressei na adolescência, tive um amadurecimento bastante precoce. Naqueles tempos, eu me identificava demais com adultos, principalmente com meus professores do ensino médio. Os sinais de autismo se manifestaram de um jeito bem únicos em mim, por isso, nunca me senti deslocado ou diferente. Adorava conhecer pessoas novas, aprender com meus colegas e jamais enfrentei uma sobrecarga sensorial. 

Além disso, gostava de estudar, virei um jovem bastante sociável, gentil, romântico e com habilidades peculiares relacionadas à escrita. Nutria o sonho de virar escritor. Hoje, já crescido, noto que meu estilo de me relacionar é chamado de “Formas de servir” de acordo com o livro “As Cinco Linguagens do amor” de Gary Chapman. Estar à serviço dos demais é a característica mais marcante na minha personalidade idealista. 

Se o contexto é favorável para que eu possa apoiar pessoas com minhas atitudes, sinto-me emocionalmente nutrido, pois a ação é a minha linguagem do amor. As demais linguagens envolvem elogiar, passar um tempo com a pessoa amada, presentear e toque físico. 

Cada pessoa terá uma linguagem que vai se manifestar mais fortemente no meio de muitas maneiras de demonstrar afeto. O amor é um assunto transversal, pois tudo é um perpétuo relacionamento. Infelizmente, por conta do meu amadurecimento precoce, inteligência social, senso de justiça e intelecto peculiar, enfrentei muito preconceito de meus colegas de classe.

 Depois de uma juventude bastante triste, formação em gestão ambiental e da finalização em pós-graduação em educação ambiental, precisei enfrentar um mundo adulto bastante indiferente e frio. Sem demandas para profissionais da ecologia, tive que me contentar com um emprego sem muita possibilidade de crescimento. Mais pessoas com deficiência compartilham da mesma situação. O texto “Desemprego e informalidade são maiores entre as pessoas com deficiência” publicada em 21/09/2022 no site do IBGE afirma que há proporcionalmente mais pessoas com deficiência nos serviços domésticos, agropecuária, atividades de alimentação e alojamento que são setores caracterizados por rendimentos médios menores, por exemplo.

 Mesmo meu dilema profissional sendo particular, o resultado é menos mão de obra atuando em empregos focados em gestão ambiental, o que contribui para a deterioração do meio ambiente, afetando toda a sociedade. Uma economia de mercado inteligente é aquela que reduz os entraves para talentos se conectarem com oportunidades profissionais reais. 

Por isso, a diversidade nas empresas é uma pauta que mescla justiça social, inovação e eficiência econômica. Toda a pessoa deveria ser apoiada por redes de suporte específicas e stakeholders do ecossistema de inovação para se conectar com bons empregos. Maior facilidade para ingressar em boas vagas potencializa a conexão entre diversidade, talento e empresas, reduzindo o risco da mortalidade empresarial. 

Por fim, mesmo amando a área ambiental, desenvolvi minhas habilidades como escritor e acabei virando assistente de mídias do terceiro setor.

 Meu velho sonho de viver das letras foi revivido porque acreditaram em mim! Agora, assisto preocupado a divisão entre as ciências. Se, por um lado, alguns setores da educação estimulam um ensino com foco no STEAM (sigla inglesa para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) para preparar pessoas para o meritocrático mercado de trabalho faminto por Startups, outros acadêmicos se preocupam com questões mais sociais alinhadas com diversidade nas empresas, reparação de injustiças históricas, sexualidade, gênero, raça, inclusão, tolerância, ampliação da cidadania para setores marginalizados e remediação da crise ambiental.

 Uma concepção pedagógica quer a transformação do mundo através do consumo, enquanto outra fala em consciência cidadã e menciona as dificuldades de ascender socialmente só pelo trabalho duro.

 Como a pauta das pessoas com deficiência deve se posicionar diante dessas duas visões? Meu maior sonho é utilizar minhas habilidades com a linguagem para unificar ambas as visões numa única síntese para que a tecnologia e a consciência cidadã possam libertar o ser humano de ser cativo dos próprios preconceitos e do trabalho pesado que rouba o tempo de vida. Só assim que o diverso assumirá o lugar de protagonismo e desenvolverá todas as potencialidades num trabalho digno e mais humano. 

  •  * Felipe Gruetzmacher tem 34 anos, autista e atua no terceiro setor como especialista em marketing, copywriter e assistente de comunicação.

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