- ** Por Fernando André Sampaio Cabral
Impossibilidade de aderência ao Tema 1046-STF de cláusula de Acordo ou Convenção Coletiva
de Trabalho (ACT/CCT) alterando disposições do art. 93, da Lei nº 8.213/91 (exclusão de cargos
da base de cálculo da reserva legal, flexibilização de percentuais, alteração do critério de
dispensas sem justa causa, etc)
Qualquer cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho, que altere a cota de
pessoas com deficiência e reabilitadas (art.93, da Lei nº 8.213/91 – Lei de Cotas), extinguindo-a
ou restringindo-a, por meio da redução dos percentuais aplicáveis, exclusão de certos cargos ou
atividades da base de cálculo e eliminação/modificação da proibição de dispensa sem justa
causa sem que mantenha a cota completa ou quaisquer outras hipóteses que flexibilizem a
aplicação desta reserva legal afronta dispositivos constitucionais e legais e não tem o condão de
afastar a incidência da precitada legislação que estipula a reserva de vagas para pessoas com
deficiência e reabilitadas, devendo ser considerada nula de pleno direito.
Vários são os fundamentos para a desconsideração de tais cláusulas e pela aplicação direta da
Lei de Cotas e, dessa forma, impossibilidade jurídica de aderência ao Tema 1046 (Validade de
norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado
constitucionalmente).
O Estado Brasileiro, ao promulgar a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência (CDPD), que foi incorporada ao ordenamento jurídico pátrio, por meio
do Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº 6.949/2009, conforme o procedimento do § 3º
do art. 5º da Constituição, com status de Emenda Constitucional, assumiu o compromisso para
adoção de medidas de todas as espécies, inclusive no campo hermenêutico, para a promoção
e efetivação dos Direitos das Pessoas com Deficiência e revogação de normas que constituam
exclusão e discriminação em desfavor das pessoas com deficiência, nos termos dos artigos 4.1.a
e 4.1.b, que constituem verdadeiras normas expressas que objetivam a Máxima Efetividade
Constitucional e do artigo 27, que institui as diretrizes de promoção do trabalho da pessoa com
deficiência e da proibição da discriminação, nos setores públicos e privados:
“Artigo 4. Obrigações gerais.
1.Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno
exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por
todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação
por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se
comprometem a:
a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer
outra natureza, necessárias para a realização dos direitos
reconhecidos na presente Convenção;
b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para
modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes,
que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;
…
Artigo 27. Trabalho e emprego.
1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência
ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um
trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em
ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas
com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a
realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem
adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas
apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros:
a) Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas
as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive
condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no
emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de
trabalho;
…
e) Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para
pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como
assistência na procura, obtenção e manutenção do emprego e no
retorno ao emprego; …
g) Empregar pessoas com deficiência no setor público;
h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado,
mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir
programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas;
…”.
Apesar de o art. 7º, XXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
consagrar o reconhecimento das convenções e acordos coletivos firmados pelas entidades
sindicais, como exercício da autonomia da vontade destes entes, tal disposição não tem caráter
ilimitado, devendo ser interpretada de modo sistemático, em consonância com as normas e
princípios da Constituição da República, da CDPD, com status constitucional, e das normas
infraconstitucionais vigentes aplicáveis, de caráter geral, como a Lei de Cotas, que estipula
direitos indisponíveis e configura-se como de ordem e de política públicas.
Sem desprezar os métodos tradicionais de interpretação jurídica, deve-se estar atento para o
“efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com
força normativa, por todo o sistema jurídico” (BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e
Constitucionalização do Direito, disponível em https://luisrobertobarroso.com.br/publicacoes/,p.16).
Portanto, a própria interpretação constitucional está sujeita a princípios próprios como: o da
supremacia da Constituição, o da interpretação conforme a Constituição e o da efetividade.
Ademais, ao aplicar a norma infraconstitucional “o intérprete deverá orientar seu sentido e
alcance à realização dos fins constitucionais”. (Idem, p.28). No caso, a previsão do art. 93, da Lei
8213/1991 deve ser compreendida de forma sistemática e sob a égide da interpretação
constitucional, sempre com a perspectiva da máxima efetividade das normas constitucionais e
deve prevalecer sobre quaisquer cláusulas convencionais, decorrentes da autonomia sindical,
que eliminem ou reduzam a sua força fático-normativa.
São vários os aspectos que fundamentam a nulidade de tais disposições, quando restrinjam a
reserva legal de inclusão de pessoas com deficiência:
a) agente incapaz, em desrespeito ao artigo 104, inc. I, do Código Civil Brasileiro-CCB e ao artigo
611, da CLT:
“Art. 611. – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter
normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de
categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho
aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações
individuais de trabalho”
Tais disposições convencionais sobre a Lei de Cotas ultrapassam o interesse coletivo das
categorias representadas, não passível por via da negociação coletiva entre entidades sindicais.
A Magna Carta é solar, no sentido que às entidades sindicais cabem a defesa de interesses
individuais ou coletivos das categorias representadas. Desta forma, não abrange os interesses
difusos relacionados a candidatos com deficiência, indeterminados, em busca de empregos, que
sequer fazem parte da(s) categoria(s) laboral(is) representada(s), podendo vir a fazê-los, quando
contratados:
“Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o
seguinte: … III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses
coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais
ou administrativas”. (grifo não original)
A norma do art. 93, da Lei nº 8.213/91 não se caracteriza como de interesse coletivo
strictu sensu e se configura como de interesse difuso, em que são titulares pessoas com
deficiência e reabilitadas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato (a busca de
empregos por meio da Lei de Cotas), que podem ou não vir a compor os quadros de empregados
das empresas representadas pelo ente coletivo de categoria econômica ou serem representadas
pelos entes sindicais laborais, indo além do interesse coletivo das categorias de trabalhadores
representadas em instrumento negocial, para alcançar, regular e restringir direito difuso
indisponível de candidatos com deficiência e reabilitados que seriam atingidos por eventual
flexibilização dos percentuais ou de atividades econômicas ou de cargos obstados à ocupação
por tais pessoas, por quaisquer argumentos (periculosidade, insalubridade, etc), por meio de
acordos e convenções coletivas de trabalho, vez que sequer fazem parte das categorias laborais
e por estas não podem ser licitamente representadas;
b) objeto ilícito, em afronta ao art. 104, II, do CCB e à vedação disposta no artigo 611-B, inc. XXII,
da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017:
“Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de
acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução
dos seguintes direitos: … XXII – proibição de qualquer discriminação no
tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com
deficiência”
Tal ilicitude decorre do fato de:
i. a reserva legal para pessoas com deficiência constituir-se de norma heterônoma de inclusão,
de natureza cogente, de ordem e de política pública de natureza constitucional, que trata de
direitos de indisponibilidade absoluta;
ii. deixar de observar:
a) que a República Brasileira se constitui em Estado Democrático de Direito (CFRB, art. 1º, caput)
e um dos pilares da noção contemporânea de DEMOCRACIA, além de imprensa e judiciário livres
e fortes, de eleições periódicas livres e justas, é o respeito às minorias, inclusive às pessoas com
deficiência;
b) a dignidade da pessoa com deficiência (art.1º, III), uma vez que o acesso ao trabalho é um dos
principais instrumentos para o seu alcance;
c) o objetivo fundamental de erradicação da pobreza e das desigualdades sociais das pessoas
com deficiência (CRFB, art.3º, inc. III) e da promoção do bem de todos, combatendo-se
quaisquer formas de discriminação (CRFB, art. 3º, inciso IV), ressaltando-se que o Brasil ao
promulgar a CDPD reconhece a situação vulnerável das pessoas com deficiência, nos termos do
Preâmbulo, item “t”:
“…t) Salientando o fato de que a maioria das pessoas com deficiência
vive em condições de pobreza e, nesse sentido, reconhecendo a
necessidade crítica de lidar com o impacto negativo da pobreza sobre
pessoas com deficiência…”
iii. a reserva de regulação de qualquer trabalho, oficio ou profissão, por meio de Lei, nos termos
do art. 5º, inciso XIII, da Lei Maior, constituindo-se direito individual inafastável:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: … XIII – é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer” (grifo não original);
iv. a flexibilização de percentuais ou a exclusão de certos cargos ou atividades para a base de
cálculo de cômputo da reserva legal do art. 93, da Lei de cotas, configura-se discriminação por
recusa de adaptação razoável, com efeito de prejudicar ou impedir o exercício do trabalho das
pessoas com deficiência em busca de emprego, nos termos do artigo 2º, da CDPD, dos artigos
3º, inc. VI, 4º, §1º e da vedação expressa no art.34, §3º, da LBI, incidindo também o art. 1º, da
Lei nº 9.029/95.
A possibilidade de contratação de pessoas com deficiência é estatisticamente
comprovada, pelo nível de ocupação no conjunto de empresas brasileiras:
a) a existência de 428.189 cargos ocupados nas empresas brasileiras sujeitas à cota legal, por
empregados com deficiência e reabilitados (posição em março/2022);
b) a contratação, no período de 2010 a 2018, de 1.059.215 empregados com deficiência e
reabilitados no conjunto de empresas brasileiras sujeitas à cota legal.
v. o fato de a adoção de cláusulas convencionais restritivas à inclusão de pessoas com deficiência
no trabalho afrontar a diretriz de superação das barreiras sociais, em face da definição
biopsicossocial da deficiência, pela interação dos impedimentos com as diversas barreiras, nos
termos do art. 1, da CDPD:
“Artigo 1. Propósito. O propósito da presente Convenção é promover,
proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com
deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as
demais pessoas.” (grifo não original);
vi. – o fato de o art. 93, da Lei nº 8.213/91 não ter estabelecido nenhuma ressalva ou exceção
de cargos ou atividades para o cômputo da base de cálculo e a hermenêutica constitucional dos
direitos humanos indicar a diretriz que em norma de inclusão descabe ao intérprete criar
restrição não expressa no texto da lei;
vii. o fato de que tais cláusulas flexibilizadoras da Lei de Cotas deixam de observar os princípios
e normas gerais da atividade econômica, fundada na valorização do trabalho, visando assegurar
existência digna a todos os trabalhadores, inclusive as pessoas com deficiência e reabilitadas,
nos termos do artigo 170, da Constituição da República. Especialmente deixa de observar a
função sócio-juridica da propriedade (inciso III), a busca do pleno emprego das pessoas com
deficiência (Inciso VIII) e a redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VII),
especialmente quando é reconhecida pela CDPD a situação de vulnerabilidade das pessoas com
deficiência.
Outro aspecto importante é que a existência de cláusulas em Acordos ou Convenções Coletivas
do Trabalho que reduzam o alcance da Lei de Cotas espelha a própria visão equivocada da
inclusão existente na sociedade e, por consequência, nas entidades sindicais, inclusive a dos
trabalhadores, devendo ser ressaltado que as pessoas com deficiência e reabilitadas são, na
expressiva maioria das empresas, uma minoria dos empregados, vez que as empresas limitamse, em geral, a empregar apenas os percentuais exigidos pela Lei de Cotas, cujo limite máximo é
5%. A própria dinâmica das negociações permite afirmar que haverá uma tendência, na
negociação coletiva, de oferecimento de melhoria de benefícios gerais (como vale-alimentação,
auxílio-creche, etc), em “sacrifício” da Lei de Cotas, sob os mais diversos argumentos.
Sequer a Lei pode flexibilizar a base de cálculo ou critérios de apuração para fins de
cumprimento da reserva legal de pessoas com deficiência e reabilitadas (art. 93, da Lei nº
8.213/91). Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5760-DF, o Supremo Tribunal Federal-STF
considerou inconstitucional parte do artigo 1º, da Lei nº 13.194, de 24.11.2015, que incorporava
o artigo 16-A à Lei nº 7.573, de 23.12.1986, com o seguinte teor:
“Art. 16-A . Os marítimos exercendo atividades embarcadas, por serem
submetidos às exigências contidas em convenções e acordos
internacionais ratificados pelo Brasil relativas às condições físicas,
médicas e psicológicas, não integram a soma dos trabalhadores das
empresas de navegação para o disposto no art. 93 da Lei nº 8.213, de
24 de julho de 1991.”
Nessa ADIN 5760-DF, o STF assim se pronunciou:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTUTUCIONALIDADE. ART. 16-A DA
LEI 7.573/1986, INSERIDO PELO ART. 1 º DA LEI 13.194/2015.
CONVENÇÃO DE NOVA YORK. EXCLUSÃO DOS TRABALHADORES
MARÍTIMOS EMBARCADOS DO CÁLCULO PARA APURAÇÃO DAS VAGAS
RESERVADAS A PESSOAS COM DEFECIÊNCIA (ART. 93 DA LEI
8.213/1991) EM EMPRESAS DE NAVEGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE
VEDAÇÃO LEGAL OU CONVENCIONAL AO TRABALHO DE PESSOAS
PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA EM EMBARCAÇÕES. PROTEÇÃO E
INTEGRAÇÃO SOCIAL DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA.
ISONOMIA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. 1. A Convenção de
Nova York, a qual tratou dos direitos das pessoas com deficiência, foi
incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro como norma
constitucional (Decreto 6.946/2009), nos termos do § 3º do art. 5º da
Constituição Federal. 2. A deficiência física, por si só, não incapacita
generalizadamente o trabalhador para o desempenho de atividades
laborais em embarcações, não existindo exigência legal ou
convencional de plena capacidade física para toda e qualquer
atividade marítima. A eventual incompatibilidade entre determinadas
atividades e certas limitações físicas não justifica a exclusão do
trabalho marítimo do alcance da política pública de inclusão social das
pessoas com deficiência. 3. A exclusão de postos de trabalho marítimo
embarcado do cálculo destinado a apurar o número de vagas
destinadas aos deficientes (art. 93 da Lei 8.213/1991) é desprovido de
razoabilidade e desproporcionalidade, caracterizando-se como
diferenciação normativa discriminatória. 4. A previsão dificulta
arbitrariamente o acesso de pessoas com deficiência ao trabalho nas
empresas de navegação, pois diminui a disponibilidade de vagas de
trabalho para pessoas com deficiência. 5. Ação Direta julgada
procedente.”.
Por sua vez, no processo nº TST-AACC-100639-49.2018.5.00.0000, a Seção Especializada
em Dissídios Coletivos, em decisão da Ministra Relatora Kátia Magalhães Arruda, declarou a
nulidade de cláusula de Convenção Coletiva de Trabalho que suprimia cargos (pilotos,
comissários de bordo, etc) para composição da base de cálculo para aplicação dos percentuais
previstos na Lei de Cotas, conforme o seguinte Acórdão:
“AÇÃO ANULATÓRIA. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO FIRMADA
ENTRE O SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS AEROVIÁRIAS E O
SINDICATO NACIONAL DOS AERONAUTAS. 1. CONTROVÉRSIA
JURÍDICA QUE GIRA EM TORNO DO CUMPRIMENTO DAS COTAS DE
CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E APRENDIZES.
PREVISÃO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO DE SUPRESSÃO
DE FUNÇÕES PARA COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. NÃO
APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO DO QUE DECIDIDO NO AGRAVO
EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.121.633 (TEMA 1.046 DA
REPERCUSSÃO GERAL). A 1ª Turma da Suprema Corte decidiu, no
julgamento da RCL 40.013 AGR/MG, que a controvérsia jurídica que
gira em torno do cumprimento das cotas para a contratação de
aprendizes e pessoas com deficiência tem assento constitucional
previsto nos arts. 7º, XXXI, 203, IV, e 227, caput e § 1º, II. Dessa forma,
concluiu que a referida matéria não está abarcada pelo Tema 1046 da
Repercussão Geral (Validade de norma coletiva de trabalho que limita
ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente).
… 3. CLÁUSULA 3.1.19 – CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA. A norma impugnada encontra-se fixada em instrumento
normativo que vigorou pelo período de 1/12/2017 a 30/11/2018,
portanto, já na vigência da Lei nº 13.467/2017. Quando instada pela
via da ação anulatória, compete à Justiça do Trabalho, por meio dos
seus Tribunais, apreciar o teor das normas firmadas em instrumento
normativo autônomo, à luz do ordenamento jurídico vigente. E, se for
o caso, extirpar do diploma negociado pelos seres coletivos as regras
que retiram direitos assegurados por norma estatal de caráter
indisponível. O art. 7º, XXVI, da Constituição Federal de 1988, assegura
o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho,
que são elaborados e firmados pelos entes coletivos. A autonomia de
vontade dos seres coletivos, manifestada mediante os instrumentos
normativos autônomos, encontra limite nas normas heterônomas de
ordem cogente, que tratam de direitos de indisponibilidade absoluta
e normas constitucionais de ordem e de políticas públicas. O art. 611
da CLT dispõe que “Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de
caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos
de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de
trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às
relações individuais de trabalho” Efetivamente, a autonomia coletiva
dos sindicatos, assegurada pela Carta Magna, abrange a elaboração de
normas de natureza coletiva, atinentes às condições aplicadas no
âmbito das relações bilaterais de trabalho. No caso, a primeira questão
que deve ser examinada nesta ação anulatória é se a matéria objeto
da cláusula tem natureza coletiva. Observa-se que, ao excluir os
aeronautas do cômputo na base de cálculo da cota prevista no artigo
93, da lei nº 8.213/91 e artigo 141, do Decreto nº 3.048/99, a norma
impugnada trata de matéria que envolve interesse difuso (direito
indivisível em que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato), no caso, interesse das pessoas com deficiência.
Ou seja, a regra ora atacada transpassa o interesse coletivo das
categorias representadas, para alcançar e regular direito difuso,
tratando-se, inclusive, de matéria de ordem e de políticas públicas, e,
por isso, não é passível de regulação pela via da negociação coletiva.
Há, portanto, flagrante violação do art. 611 da CLT, que autoriza a
pactuação de instrumento normativo autônomo (convenção coletiva
de trabalho) entre dois ou mais sindicatos representativos de
categorias econômicas e profissionais, a fim de fixar condições de
trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às
relações individuais de trabalho. Nessa condição, contata-se que a
cláusula não atende os requisitos de validade estabelecidos no art. 104
do CCB, notadamente quanto à falta da capacidade dos agentes
convenentes, para consentir e de dar função à regra, cujo objeto,
repita-se, ultrapassa os interesses coletivos das categorias
representadas, avançando sobre interesse de caráter difuso, que não
são passíveis de negociação coletiva. Esta SDC já se pronunciou
algumas vezes no sentido de declarar a nulidade de cláusula que trata
de matéria estranha ao âmbito das relações bilaterais de trabalho, por
afronta ao art. 611 da CLT (há julgados da SDC). Acrescente-se que, à
luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da
proibição de discriminação no tocante ao salário e aos critérios de
admissão do trabalhador com deficiência (art. 7º, XXXI, da CF), da
isonomia (art. 5º, “caput”, da CF) e da valorização do trabalho (art. 170,
III, da CF), a jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido
de que o art. 93 da Lei nº 8.213/91, estabeleceu cota mínima para
contratação de pessoas com deficiência ou reabilitados pela
Previdência Social com base no percentual de incidência sobre o
número total de empregados da empresa, não estabelecendo
nenhuma ressalva ou exceção de cargos ou atividades para o cômputo
do cálculo. Nessa perspectiva, forçoso declarar a nulidade da norma.
Julga-se procedente esta ação anulatória, a fim de declarar nula a
Cláusula 3.1.19 da Convenção Coletiva de Trabalho da Aviação Regular
- 2017/2018 – SNA/SNEA – registro no MTE Nº MR085025/2017. 4.
CLÁUSULA 3.1.20. APRENDIZ. O art. 7º, XXVI, da Constituição Federal
de 1988, assegura o reconhecimento das convenções e acordos
coletivos de trabalho, que são elaborados e firmados pelos entes
coletivos. Nos termos do art. 611 da CLT, a autonomia coletiva dos
seres coletivos, assegurada pela Carta Magna, abrange a elaboração
de normas de natureza coletiva, atinentes às condições aplicadas no
âmbito das relações bilaterais de trabalho. No caso, observa-se que,
ao excluir os aeronautas do cômputo na base de cálculo da cota
prevista no artigo 429 da CLT, também esta cláusula atinge interesse
difuso, que transpassa o interesse privado passível de negociação
pelas categorias representadas, regulando direito dissociado das
condições de trabalho dos trabalhadores e, portanto, não deve constar
em instrumento normativo autônomo, por afronta do disposto nos
arts. 611 da CLT e art. 104 do CCB. Desse modo, forçoso declarar a
nulidade da cláusula. Registre-se que, por óbvio, a declaração de
nulidade da cláusula não elide as limitações e exclusões fixadas em
regramento normativo estatal vigente, para efeito do calculo do
percentual de contratação de aprendizes. Julga-se procedente esta
ação anulatória, a fim de declarar nula a Cláusula 3.1.20 da Convenção
Coletiva de Trabalho da Aviação Regular – 2017/2018 – SNA/SNEA –
registro no MTE Nº MR085025/2017. …” ” (Id 47b74e5 – Acórdão
Juntado por KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA em 27/11/2020 01:25)
Por sua vez, a Nota Técnica nº 70/2018/DEFIT/SIT/MTB, de 11.04.2018, estipula que na
verificação da existência de qualquer cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho, que
altere a aplicação do art. 93, da Lei nº 8.213/91, extinguindo ou restringindo o seu alcance, esta
deve ser desconsiderada pelo Auditor Fiscal do Trabalho, para fins de aplicação do precitado
art.93. Por sua vez, o Ministério Público do Trabalho-MPT e o então Ministério do Trabalho, no
Protocolo de Ação Conjunta nº 001/2018, de 15.05.2018, também se pronunciam pela nulidade
e desconsideração de tais cláusulas.
Por todos os motivos acima expostos, descabe a arguição de aderência ao Tema 1046-
SFT, por incompetência do agente e ilicitude do objeto, protegido pela Constituição Federal e
pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao
ordenamento jurídico pátrio, por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008 e Decreto nº
6.949/2009, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição, com status de
Emenda Constitucional.
* OPINIÃO reflete apenas e somente o ponto de vista do autor. A reprodução é autorizada, desde que citada a fonte.
** Fernando André Sampaio Cabral é Auditor-Fiscal do Trabalho e Coord. Proj. Fiscalização da Inclusão de Pessoas com Deficiência e Reabilitadas em Pernambuco
Texto excelente! Parabéns ao Diário PcD por jogar luz!!!